Muse retoma sua melhor forma em novo álbum
Muse – Will Of The People
38′, 10 faixas
(Warner)
O Muse lançou três discos na década de 2010: “The 2nd Law”, “Drones” e “Simulation Theory”, todos entre 2012 e 2018. Neste período, o trio inglês, composto por Matt Bellamy, Chris Woolstenholme e Dominic Howard nada fez além de diluir e banalizar uma fórmula sonora que achou no fim da década anterior: canções épicas, que misturavam tinturas de rock clássico setentista, devidamente temperadas por modernidade oriunda de ensinamentos do lado mais acessível do Radiohead de “The Bends” e “OK Computer”, tudo empacotado por uma narrativa apocalíptica e distópica. Estes três álbuns mais recentes expuseram uma preocupante falta de criatividade estética por parte do trio, que não conseguiu escapar deste formato descrito acima. Mesmo com ênfase em elementos do synthpop oitentista entrando em campo como adição mais recente ao receituário do Muse, o grupo foi abdicando de qualquer faísca de criatividade em favor de uma estabilidade que mais parecia tédio. O resultado contrapôs o superestrelato do Muse com esta baixa maré de criatividade. “Will Of The People” é um movimento do grupo de tentativa de reordenar as coisas e partir em frente. E funciona.
A ideia aqui é refazer as pontes com o último grande trabalho do Muse, “The Resistance”, de 2009. Lá o grupo aprimorou, lapidou e sacramentou este formato interessante, que foi banalizado nos últimos 13 anos. Sendo assim, quando dizemos que o Muse está reordenando as coisas, estamos admitindo que a banda recupera este formato em toda a sua extensão. Estão de volta os pianos e as vocalizações épicas à la Queen, as tormentas de guitarras sintetizadas, as distorções bacanudas no baixo, a bateria bem tocada por Howard e a megalomania de Bellamy como este porta-voz da falência social humana. E, claro, a narrativa do Muse é bastante ajudada pela penúria dos tempos atuais, de pandemia, ascensão de neofascismo, destruição do meio ambiente e tudo mais. Além disso, como o nome do álbum diz, há a dúvida sobre qual será a vontade do povo – abraçar uma cruzada por tempos melhores, mais justos e iguais ou pisar fundo na escalada neoliberal pelo esmagamento de mais fracos e vulneráveis?
Produzido pelo trio, “Will Of The People” encampa esta narrativa e a transporta para este antecipado 2022. A sonoridade do Muse praticamente apresenta um reboot, dedicando-se muito mais à lapidação do que fez até 2009 do que enveredar por novos caminhos. Tal postura resulta em boas faixas, caso do single “Won’t Stand Down”, que tem decalques que vão de Marilyn Manson a Bon Jovi, algo que, convenhamos, requer bastante poder de síntese. Mas funciona. A faixa-título é um daqueles rockinhos com apropriações glam aqui e ali, com coro no refrão e uma boa dinâmica de guitarras. “Compliance” é mais um abraço aos anos 1980, mas com a certeza de que é o Muse que o está dando. A canção, o arranjo, a pegada, tudo é totalmente inserido dentro da sonoridade do grupo, ainda que haja esta pequena brisa de ar oitentista aqui e ali.
Há espaço para um baladão floreado ao piano, cheio de vocais de apoio, chamado “Ghosts (How Can In Move On)”, enquanto “You Make Me Feel Like It’s Halloween” é lembra “Somebody’s Watching Me”, hit de 1983 de Rockwell, cheia de sintetizadores dos anos 1980, quase um passeio na Super-Máquina. A canção seguinte, “Kill Or Be Killed” já traz de volta o setentismo de guitarras pesadas, andamento neurótico e a competição deslavada que mata das pessoas e dá a tônica da sociedade nestes tempos. “Verona” é outra balada, mas chega envolta num arranjo épico, tecladeiro, com Bellamy visitando uma de suas grandes influências como cantor: Bono. As duas canções finais, “Euphoria” e “We Are Fucking Fucked” são rapidonas, pesadinhas e neuróticas, até certo ponto.
Com “Will Of The People”, o Muse pode reconectar-se com aquele fã genérico de rock que quer uma banda “tocando pra caramba” e “sacudindo a galera”. E pode correr para o abraço dos fãs – novos e velhos – que estavam meio bolados com a trilogia mais recente de discos, meio sem saber se sua banda havia ou não ido para o brejo. Não foi.
Ouça primeiro: “Will Of The People”, “Won’t Stand Down”, “You Make Me Feel Like It’s Halloween”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.