Muito mais que “o disco perfeito do grunge”

 

 

 

Dia desses o Facebook me mostrou uma performance do Screaming Trees em outubro de 1992. O local: o palco do Ed Sullivan Theatre, em Nova York, encerramento do programa de David Letterman. O grupo – Mark Lanegan, Van Conner, Gary Lee Conner – mais Steve Ferrone (baterista da casa, que substituía Barrett Martin na ocasião, entoa uma versão arrasa-quarteirão de “Nearly Lost You”, certamente o maior hit do Screaming Trees em toda sua carreira. Se adaptarmos o fato para a nossa linha do tempo, sempre defasada em relação ao Hemisfério Norte, veremos que só ouvimos falar do grupo de Ellensburg, cidadezinha na periferia de Seattle, meses depois, já em 1993. Lembro de ler uma resenha na Bizz, assinada por Daniel Benevides, na qual ele dá a cotação máxima para “Sweet Oblivion”, o sexto álbum da banda e primeiro a ser lançado por aqui. Já era o segundo trabalho para a Epic/Sony, que assinara com o quarteto em 1990 e pela qual o Screaming Trees já lançara “Uncle Anesthesia” em 1991. Os elogios de Benevides forneceram o estímulo necessário que minha curiosidade musical precisava para correr atrás da banda. Na verdade, ao ler a resenha dele, me dei conta de que o maior hit do disco, “Nearly Lost You” já era tocado na programação da Universidade FM, no Rio de Janeiro e também fazia parte da trilha sonora de “Singles – Vida de Solteiro”, filme comédia-romântica grunge muito falado na mídia especializada.

 

Lembro que só consegui comprar meu exemplar de “Sweet Oblivion” por conta de um amigo de um amigo – no caso, meu irmão de fé, Ricardo Benevides – que vendia, sei lá como, ítens do catálogo da Epic/Sony por demanda. Me recordo de encomendar também um exemplar de “Blow By Blow”, de Jeff Beck e, algum tempo depois, os dois discos estavam em meu poder. Por conta da excitação do momento, a obra prima de Beck foi deixada em segundo plano e mergulhei nas águas turvas do Screaming Trees. Era tudo o que eu queria ouvir, na minha condição de recém interessado pela sonoridade feita em Seattle. Eu demorara um pouco para me dar conta dela, visto que estava num período de revelações do rock mais clássico, com especial atenção para as obras de The Doors e Genesis, cada um a seu jeito. Daí veio “Nevermind” e o “Ten”, de Nirvana e Pearl Jam, respectivamente, que eu comprei na filial das Lojas Americanas da Praça Saens Peña, na Tijuca. A MTV Brasil se incumbiu de me converter às hostes do flanelão do noroeste americano, mas, de alguma forma, o tal “grunge” me parecia meio sem sentido enquanto rótulo. Aquilo era rock de origem metálica, com infusões punk e uma angústia que, isso sim, era totalmente do nosso tempo. Mais tarde descobri as articulações que podem – e devem – ser feitas entre esta sonoridade e o início do neoliberalismo mais selvagem, mas isso é história para depois.

 

O fato é que, daquele tempo para cá, acabei enjoando do Pearl Jam, que era minha banda preferida então. Alice In Chains nunca foi meu forte, ainda que eu respeite bastante o que fizeram e tenha uma admiração tardia pelo arquiteto de sua sonoridade, o guitarrista Jerry Cantrell. Sendo assim, com olhos e ouvidos de hoje, o Soundgarden emerge daquela época como a banda que considero mais consistente e da qual sinto mais falta. Daí você vê o título deste texto e pergunta: “Ok, tudo bem, mas e o Screaming Trees?”. Eu te respondo: a meu ver, não se trata de um grupo grunge, ainda que tenha sido vendido na época como tal. A sonoridade da banda, pesada e, acima de tudo psicodélica, entrou no mesmo radar do grunge na época, mas, uma audição mais cuidadosa revelará as diferenças. Além do mais, o ST já tinha cinco discos e sete anos de estrada quando “Sweet Oblivion” foi lançado, o que mostra que a banda já havia visto e participado de outros momentos sonoros. Tudo tinha começado em 1985, quando os irmãos Conner e Mark Lanegan, conhecidos dos tempos de colégio, mais o baterista Mark Pickerel, fundaram o grupo. Os irmãos Gary Lee e Van eram os compositores e arquitetos da sonoridade, tendo os Beatles como base, mais um monte de influências de metal, punk e até new wave. Lanegan era responsável por revisar as letras e, quando desejasse, mudá-las e até reescrevê-las. Este método seguiu até a banda fazer sucesso.

 

“Sweet Oblivion” foi o segundo álbum da banda para a Epic/Sony e a inclusão de “Nearly Lost You” na trilha sonora de “Singles”, certamente ajudou a divulgação dela pelo mundo afora. Era o mesmo momento em que o Nirvana estava se tornando um gigante midiático, meio de 1992, com “Nevermind” sendo digerido por todo tipo de fã de música, a partir da MTV e rádios em toda parte. A reboque deles, os outros grupos de Seattle – Pearl Jam, Soundgarden, Alice In Chains e Screaming Trees – ganharam mais atenção e visibilidade dentro e fora dos Estados Unidos. No caso dos Trees, além do vínculo, digamos, geográfico em relação às outras bandas, fizeram uma espécie de trio de ataque com outras duas formações que vinham com álbuns novos no mesmo momento – e que nada tinham a ver com o grunge: Soul Asylum e Spin Doctors. O alinhamento comercial foi tanto que os três grupos excursionaram juntos em 1993, a bordo da MTV Alternative Nation Tour, num total de mais de sessenta apresentações juntas.

 

“Sweet Oblivion” foi um trabalho que capturou a banda num momento realmente definidor de sua trajetória. A chegada do baterista Barrett Martin, que substitui Pickerel, trouxe novos horizontes e refrescou a palheta sonora dos sujeitos. Além disso, Lanegan, que enfrentava problemas com alcoolismo desde os … doze anos … havia intensificado seu vício e, curiosamente, isso fizera dele uma pessoa mais sociável e disposta a participar do processo criativo. Em várias entrevistas posteriores, os irmãos Conner e Lanegan revelaram nunca terem tido vínculos de amizade, indo pouco ou nada além da relação profissional. Com Martin e esta faceta acessível do vocalista, o grupo adquiriu um nível de cooperação maior e se saiu com um punhado de canções que capturaram o momento que seus integrantes viviam. De fato, uma olhada nas faixas de “Sweet Oblivion” mostrará que não há um único momento desperdiçado, indo muito além do sucesso de “Nearly Lost You”. Canções como “Dollar Bill”, “Julie Paradise”, o semi hit “Butterfly”, “Shadow Of The Season”, mostram que as referências da banda atingiam um espectro em que cabia de Black Sabbath a Allman Brothers, passando pela fase “White Album” dos Beatles e mais um monte de sonoridades sessentistas meio obscuras como Mountain e Moby Grape.

 

Se “Sweet Oblivion” capturou um momento especialmente favorável dentro do Screaming Trees, também mostrou que a banda já estava com pouca ou nenhuma disposição para seguir junta. Com os problemas de Lanegan se intensificando e abrangendo vício em heroína e outras substâncias, os irmãos Conner precisaram se encarregar de todo o processo criativo e isso afetou a qualidade das novas canções. Mesmo assim, entre 1993 e 1994 gravaram nove faixas que foram engavetadas pela gravadora. Em 1996, com a produção de George Drakoulias e a participação de Josh Homme na segunda guitarra, gravaram seu último trabalho, “Dust”. Lanegan já tinha uma carreira solo desde o início dos anos 1990 e, além dela, passou a integrar o Queens Of The Stone Age, banda que o próprio Homme estava formando. Martin tocou em vários projetos até se fixar em duas bandas, The Minus 5 e Tuatara, mas sempre esteve participando de vários álbuns de gente que orbitava os estúdios e produtores de Seattle. Até de trabalhos de Nando Reis ele participou e, atualmente, excursiona com o músico paulistano pelo país. Os irmãos Conner seguiram fazendo música separadamente. Lanegan faleceu em 2022, Van Conner em 2023.

 

No fim das contas, não precisa de bula para apreciar a beleza de “Sweet Oblivion”. É um trabalho multifacetado, denso, único, cheio de ótimas canções e que mostra uma banda no topo de sua forma, lutando por um lugar ao sol. Dá pra dizer que, mesmo por pouco tempo, não só conseguiram como cravaram o nome na história.

 

 

 

 

Em 2023 publicamos este texto, escrito por Emerson G, sobre o Screaming Trees

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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