Luaka Bop – 30 Anos

 

Que tal fazer uma compilação de música brasileira com os seguintes artistas e músicas: Jorge Ben (“Umbabarauma” e “Fio Maravilha”), Maria Bethania e Gal Costa (“Sonho Meu”), Gilberto Gil (“Só Quero Um Xodó”, “Andar Com Fé” e “Quilombo, o Eldorado Negro”), Caetano Veloso (“Um Canto de Afoxé para o Bloco do Ilê”, “Queixa”, “Terra” e “O Leãozinho”), Chico Buarque (“Caçada”), Milton Nascimento (“San Vicente” e “Anima”) e Nazaré Pereira (“Caixa de Sol”)? Hoje em dia você seria visto como um fã de música nacional relativamente antenado e com certo conhecimento sobre o assunto. Mas, em 1989, você seria considerado uma criatura de outro planeta. Estas canções e seus compositores/intérpretes estavam na compilação “Brazil Classics 1 – Beleza Tropical”, lançada mundialmente pela gravadora Luaka Bop em 1989. Quem estava por trás disso? David Byrne, a cabeça-falante por excelência.

São 30 anos de Luaka Bop, a gravadora que Byrne fundou naquele ano. Seu propósito: divulgar a música de países culturalmente exuberantes, com produções musicais importantíssimas, mas que esbarravam na divisão injusta da economia e da política em âmbito global. Sendo assim, uma “mãozinha” de um popstar consolidado como ele, era mais do que bem vinda. A época também ajudou: momento de pré-globalização e de conexão, uma espécie de press-kit neoliberal que teve muitos contras, mas vários prós, como esta divulgação, em nível planetário, de artefatos culturais que, até então, estavam restritos a públicos muito pequenos e locais. Byrne disse em várias entrevistas que só seguiu seu instinto de fã de música, traduzido pelo desejo de mostrar para as pessoas as músicas e artistas de que gostava. Em se tratando dele, acreditamos piamente.

Além de ousada, a empreitada tornou-se decisiva em pouco tempo. As pessoas mais jovens devem achar que os discos de gente como Mutantes e Tom Zé – dois artistas que tiveram compilações lançadas pela Luaka Bop lá fora – eram incensadas como hoje, né? Pois se não fosse pela ação de Byrne e sua gravadora, seriam desconhecidos aqui e lá fora. Graças à compilação “Brasil Classics 4: The Best Of Tom Zé”, lançada em novembro de 1990, o veterano – e então esquecido – tropicalista teve algumas de suas mais importantes criações relançadas para um grupo ávido de consumidores, que estavam atrás de novidades realmente novas. Porque, você sabe, o novo não é, necessariamente, o cronologicamente novo. É o que ainda não se conhece. Como tais obras estavam fora de catálogo no Brasil há  tempos, colocá-las disponíveis em nível mundial era uma façanha e tanto. No caso de Tom Zé, o impacto foi tão grande, que houve outra compilação, em 1992, chamada “The Hips Of Tradition”, bem como um retorno do baiano ao disco, passando a ter sua produção lançada diretamente pela Luaka Bop. Imagine isso.

Byrne não ficou restrito à música brasileira. Lançou compilações com artistas cubanos, africanos, indianos, bluesmen, reggae e até o rock, especialmente quando o grupo anglo- indiano Cornershop integrou a fileiras de artistas da gravadora, lançando seu single mundial “Brimful Of Asha”, a bordo do álbum “When I Was Born For The 7th Time”, que fez muito sucesso em 1997. Além disso, seus álbuns passaram a ser lançados pela Luaka Bop, algo que se iniciou com “Rei Momo”, em 1989 e não parou mais. Mas o forte da gravadora sempre foi a compilação de sucessos. Assim foi com os Mutantes, que ganharam uma caprichadíssima coletânea em 1999, chamada “World Psychedelic Classics 1: Everything is Possible: The Best of Os Mutantes”, que confirmou a importância que o grupo brasileiro já havia feito por merecer ao longo daquela década. Tim Maia também seria compilado com capricho em 2012, quando a ótima “World Psychedelic Classics 4: Nobody Can Live Forever – The Existential Soul of Tim Maia” chegou ao mercado.

Ao longo destes 30 anos, figuras interessantíssimas integraram e integram o cast da Luaka Bop: William Onyeabor, Susana Baca, King Chango, Javelin, Shuggie Otis, entre vários outros, incluindo aí o trio +2, formado por Kassin, Moreno Veloso e Domenico Lancelotti. Em tempos de Internet, tal trabalho parece perder a força, mas, lhes afirmo: peitar a ordem econômica do pop mundial em 1989, subvertendo-o desde abaixo, com compilações de artistas do que era conhecido como Terceiro Mundo, e deixar que esta produção chegasse a poucos e bons interessados naquele tempo foi um feito e tanto. Digno de um cara como David Byrne.

Em tempo: o aniversário é da Luaka Bop e o mérito é de David Byrne, mas não podemos deixar de mencionar a ação de outro selo/gravadora, tocado por um grande artista do pop/rock: Realworld, de Peter Gabriel. Noutra hora falaremos dele por aqui.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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