Jonathan Richman é gênio e está com disco novo

 

 

 

 

Jonathan Richman – Only Frozen Sky Anyway
39′, 12 faixas
(Blue Arrow)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

 

Considero Jonathan Richman um gênio. Sem exageros. Desde que deu seus primeiros passos à frente dos Modern Lovers, com “Roadrunner”, no início dos anos 1970, passando por diversos momentos brilhantes em sua carreira solo, Jonathan manteve-se fiel a um ideário simples, porém poderosíssimo – usar os tiques e taques do rock americano primordial e suas primeiras andanças nos anos 1960 como base sonora para uma série de letras existenciais, sentimentais, emocionais, nas quais coloca o amor e os sentimentos sob o ponto de vista das pessoas que não são sempre favorecidas pelas circunstâncias. Ele é um porta-voz dos “underdogs”, dos menos prestigiados, dos tímidos, dos nerds (quando estes eram reais sofredores neste mundo cão), em suma, Jonathan tornou-se uma referência pra maioria de nós e isso ninguém tira dele. A esta mistura mencionada de rock, ele adicionou, ao longo do tempo, referências latinas, no sentido de se valer de boleros, canções italianas, rock chicano e um monte de outros sons menos familiares, que se tornaram temperos ainda mais interessantes para sua música. Jonathan está de volta com um álbum novinho em folha: “Only Frozen Sky Anyway” e isso é motivo de sobra pra comemorarmos. E nem precisava ser sensacional como é.

 

Com as presenças sensacionais de Tommy Larkins na bateria/percussões e Jerry Harrison (sim, do Talking Heads), seu companheiro desde os tempos de Modern Lovers, nos teclados e produção, Richman pinta e borda neste que é seu décimo oitavo trabalho solo. A ideia aqui é prover uma instrumentação básica, contida em arranjos descomplicados o bastante para que Jonathan possa flanar à vontade em histórias maravilhosas, seja em composições próprias, seja na iluminada cover para “Night Fever”, dos Bee Gees, na qual ele deixa as noites de Nova York dos anos 1970 e se coloca hoje, com 74 anos, observando as pessoas saindo para a noite numa cidade europeia não identificada. Em meio à letra original, ele vai acrescentando frases próprias como “não quero julgar ninguém que está saindo para se divertir na noite de uma grande cidade europeia” e se apropriando do original, substituindo o flamejante groove disco por uma levada ao violão acústico que subverte e muda totalmente o sentido da canção. Uma referência boa é a versão que o Cake (discípulos assumidos da estética richmaniana) fez para “I Will Survive”, em 1998, que levou o grupo de Sacramento, Califórnia, a ganhar fama internacional.

 

Estes arranjos simples são o jeito que Jonathan encontrou para homenagear o rock em sua simplicidade e destacar suas letras. Quase sempre tem um fraseado ou um pequeno trecho que remete a gravações de gente como Johnny Rivers ou Trini Lopez, enfatizando essa paixão pelo momento em que o rock foi, digamos, oferecido para públicos mais comprometidos com o pop. É como se Richman homenageasse o que soa meio banal aos críticos, mas querido ao público, privilegiando a familiaridade e a intencional facilidade em comunicar-se. O resultado acentua essa fala concedida aos menos privilegiados pela aparência ou pelo olhar do outro e da outra. Ou pode ser um monte de balela pseudo-ilustrada deste que vos escreve. O que importa é o resultado, que funciona há várias décadas. Não importa se Richman grava discos de boleros em espanhol (como “Jonathan, Te Vas A Emocionar”, em 1994, no qual está a minha versão preferida do clássico “Sabor A Mi”) ou se aparece em cima de uma árvore, cantando a canção-título de “There’s Something About Mary” (1998), longa dos irmãos Peter e Bobby Farrely, com Cameron Diaz e Ben Stiller. Ele é genial automaticamente.

 

Este ótimo “Only Frozen Sky Anyway” mostra Jonathan em plena forma, seja em termos líricos, seja na manutenção deste estilo musical personalissimo. Em alguns momentos a voz grave dá uma escorregada, mas nada que comprometa o resultado final. Em alguns momentos ele atinge níveis altíssimos, como em “The Dog Star”, que tem uma levada pop acústica fluida e romântica, na qual nosso herói canta para (mais um) amor impossível, tema recorrente em sua obra. Em “That Older Girl” o tema ressurge, mas numa das incontáveis histórias pessoais de Jonathan, na qual um garoto de 14 anos tenta dizer a uma menina mais velha sobre o amor que sente por ela e, claro, tudo se torna impossível pelo abismo entre os dois. “Little Black Bat” tem trechos em italiano, temperando um arranjo surpreendente com destaque para teclados e violões de Jerry Harrison. “David & Goliath”, o mito máximo do underdog que supera expectativas, aparece aqui com um arranjo meio surf music canastrona, uma verdadeira delícia cremosa. E “The Wavelet”, solene e lenta, enunciando as idas e vindas da vida aludindo à equação de ondas da matemática mais complexa. Tipicamente Richman.

 

Ouvir um disco de Jonathan Richman em dias como os atuais é declarar que você não faz parte deste mundo doido, acelerado, estranho e superficial. Mesmo que isso não seja totalmente verdade – no meu caso, pelo menos – fazer isso de vez em quando pode significar conservar-se são e pronto para encarar essa vida estranha. Ouça e se apaixone, se for capaz.

 

 

Ouça primeiro: “The Wavelet”, “David & Goliath”, “That Dog Star”, “Little Black Bat”, “That Older Girl”, “Night Fever”

 

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *