Iconili – Quintais

 

Gênero: Instrumental
Faixas: 9
Duração: 37 min
Produção: Leonardo Marques
Gravadora: YB/Natura Musical

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

Este é o quarto disco da big band instrumental mineira. E o primeiro a trazer as participações de Chaya Vazquez na percussão e da cantora Josi Lopes. Mas – você pode pensar – esta não é uma banda instrumental. Sim – eu te responderei – é, porém, com uma participação vocal que se insere no contexto do uso da voz como mais um instrumento, não necessariamente para pronunciar palavras e versos de uma letra convencional. Josi acrescenta esta dimensão, digamos, metafísica, ao som da Inconili, tornando-o ainda mais pessoal e intransferível. “Quintais” é a inauguração dessa nova fase.

 

A sonoridade que sai das caixas de som dá conta de representar o que sabemos apenas de sentimento. É aquele Brasil imemorial, que está em nós por conta de livros, viagens, vivência, desejos de partida/chegada. Não por acaso, parece que todo brasileiro tem uma força que o atrai para onde não está. Quem vive no litoral sente falta do interior e vice versa. As canções de “Quintais” são fruto de uma – para usar um termo caro ao nosso tempo – imersão da banda em André do Mato Dentro, em Santa Bárbara, na região da Serra da Gandarela, no interior de Minas Gerais. Aliás, o referencial geográfico das Minas Gerais é peça chave para entender o que estamos ouvindo. Ecos de Clube da Esquina, instrumental urbano belohorizontino, afrobeat tardio e contrabandeado, tudo está aqui.

 

Pode parecer delírio, mas a audição do disco traz à mente o cheiro de terra molhada, de novos ares, de reencontro. Talvez signifique ver o mar para quem nunca o viu. Ele é, repito, emocional e próximo à esfera do desejo de partida e chegada. É intuitivo e muito próximo. Essa impressão já se confirma logo em “Sete fluidos”, a primeira canção do disco, que tem a voz de Josi avisando que algo está diferente. Logo em seguida, “Irís”, vem novamente propulsionada pelo que o release chama com propriedade de “canto instrumental”. A participação de Paulo Santos (Uakti), na percussão, ajuda a construir as imagens deste universo. “Mandacaru”, por sua vez, mostra que a Iconili é fluente no afrobeat, mas se reserva o direito de executá-lo de seu jeito, nas suas próprias regras.

 

Outras belas composições surgem no caminho que é “Quintais”. A faixa-título tem um instrumental mais potente do que seu título pode sugerir e mostra, talvez de forma involuntária, a diversidade de formas e dimensões que os quintais podem ter nas casas e nas vidas das pessoas. “Caboclada” já é mais folclórica, abrindo espaço para uma visão mais tradicional da ideia de interior, de Brasil oculto/revelado em nós. Parece algo próximo de ritmos ancestrais como o congado. Esta visão mais tradicional do Brasil profundo, de suas cidades pequenas e sentimentos móveis surge com “Zuzu” — homenagem a Juju, destacado desenhista e escultor que retrata situações do cotidiano caipira, em Milho Verde. Aqui dá pra ter saudade da infância que se viveu ou não. Por fim, “Quem viver verá” chega com a inspiração num assovio de Wilson das Neves, que cedeu à banda um acervo de fitas cassete.

 

A banda, composta por André Orandi (teclados e sax alto), Chaya Vazquez (percussão), Gustavo Cunha (guitarra e synth), Henrique Staino (sax tenor e soprano), Josi Lopes (voz), João Machala (trombone), Lucas Freitas (sax barítono e clarone), Fernando “Feijão” Monteiro – que veio a substituir Mateus Bahiense (bateria) após a gravação do álbum, Rafa Nunes (percussão), Rafael Mandacaru (guitarra e teremim) e Willian Rosa (baixo), conseguiu um pequeno feito com “Quintais”: fazer um disco com cheiro, cores e sons que não são, necessariamente, feitos por instrumentos. Um Brasil que nos abraça, ao contrário do que ele tem feito ultimamente.

Ouça primeiro: “Zuzu”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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