Future Islands fala de perdas em novo álbum

 

 

 

 

 

Future Islands – The People Who Aren’t There Anymore
44′, 12 faixas
(4AD)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

Eu tendo a confiar em bandas cujos integrantes parecem gente qualquer. Daquele tipo de pessoa que vemos no metrô, na rua, dividindo o elevador conosco, a caminho de algum lugar, vindo de outro. Sei lá o motivo disso, mas tendo a achar que essas pessoas não fariam música – ou outra arte pop – se não estivessem realmente precisando se expressar. E o fazem a sério, precisam disso. Pode ser um achismo tolo, mas os sujeitos do Future Islands parecem gente comum – professores, palestrantes, gerentes de banco, o seu primo, gente assim. De alguma forma, minha mente associa esta normalidade a uma franqueza emocional que casa bem com a linha de assuntos do grupo de Baltimore. A vulnerabilidade das emoções, a total incapacidade em se sentir sintonizado com a modernidade constante, o cuidado com o coração emocional – não o físico – em tempos tão voláteis que se dobram sobre eles mesmos. O novo capítulo desta saga narrativa é este belo e triste “The People Who Aren’t There Anymore”, também conhecido como “as pessoas que não está mais lá”. Sim, é um disco sobre perdas, finais e a dor que isso traz.

 

O Future Islands ficou famoso quando se apresentou pela primeira vez na TV, mais precisamente, no programa de David Letterman. Ali, numa performance ao vivo de seu single “Seasons (Waiting On You)”, que fazia parte do álbum “Singles”, de 2014, o vocalista e letrista Samuel T. Herring não teve qualquer filtro em sua performance, urrando, batendo no peito, dançando como se estivesse sozinho no quarto. De alguma forma, aquela atitude ainda ressoa na música da banda, ou talvez isso seja só impressão, mas, aquela pessoa, diante das câmeras, não tendo qualquer vergonha de defender sua música, expondo-se, é a mesma que se ferra constantemente dentro dessa modernidade constante a que nos referimos acima. Claro, não somos ingênuos a ponto de apostar numa atitude impensada de Samuel, mas, se ele fez isso totalmente consciente, é um vilão típico de um filme de 007. Como sou ingênuo, prefiro acreditar na sua quase total espontaneidade.

 

O fato é que este álbum novo, separado por dez anos do que continha a canção que Herring interpretou ao vivo, mostra um sujeito ferido pelo fim de um relacionamento amoroso. No caso presente, Herring e sua ex-companheira sueca Julia Ragnarsson. Ele chegou a viver boa parte dos últimos anos na Suécia, algo que sintomaticamente aborda na primeira canção do álbum, “King Of Sweden”. Mas, como as coisas nem sempre dão certo, e sendo Samuel aquele cara da performance no Letterman, o sofrimento é, digamos, exponencialmente maior. A praia sonora aqui é a mesma dos outros álbuns, ou seja, o technopop britânico dos anos 1980, mas aquele que não é óbvio ululante. Tem pitadas de OMD, timbres de baixo que Peter Hook usou em grandes momentos do New Order e um ar de espontaneidade raro de se ver-ouvir nesses tempos.

 

Três canções são douradas. A abertura, com a já mencionada “King Of Sweden”, que parece uma faixa comum, até banalzinha para uma abertura de disco, mas que vai crescendo e incorporando timbres e detalhes de teclado, chegando ao final bem mais complexa e instigante. A bandeirosa e desesperada “Give Me The Ghost Back”, quando a pessoa não parece querer emergir do bode emocional em que se meteu e o fecho de ouro, com a melhor canção do álbum – e talvez da carreira dos Future Islands – a linda e objetiva “The Garden Wheel”, que é quase um testemunho pop eletrônico de lindezas sofridas da vida. E olha que nem mencionamos os dois bons singles que antecederam o lançamento do álbum – “Peach” e “The Tower”.

 

“The People Who Aren’t There Anymore” é um álbum que não aspira a grandeza ou a história. É um trabalho emocional, emocionante, que tende a ficar no terreno do cotidiano, da superação silenciosa em meio à constante direção que a vida toma. E da qual não podemos sair. É belo e discreto. Ouça.

 

Ouça primeiro: “The Garden Wheel”, “King Of Sweden”, “Give Me The Ghost Back”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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