Franz Ferdinand chega aos vinte anos de carreira

 

 

 

 

Franz Ferdinand – The Human Fear
35′, 11 faixas
(Domino)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

“The Human Fear”, sexto álbum de inéditas dos escoceses do Franz Ferdinand, já começa com uma grande canção para este 2025 recém-nascido: “Audacious”. Aqui está um pouco de tudo o que a banda de Alex Kapranos apresentou ao longo das duas décadas de existência (tempo voa): art rock, pé firme nos anos 1980, sintetizadores, carisma e, além disso, uma renovada alegria pelo rockão psicodélico clássico dos anos 1960, especialmente pela matriz Beatle mais sinfônica. Confesso que fiquei meio surpreso, mas não espantado, visto que os sujeitos sempre foram talentosos e capazes de levar adiante o pendor do rock britânico mais interessante e esclarecido. Nunca esteve nos planos e execuções do FF uma redução ao básico, um encolhimento estético ou expressões que mais parecem saídas de uma cartilha neoliberal adaptada à música pop relevante. Pelo contrário, Kapranos e seus amigos sempre optaram por seguir seus instintos artísticos, chegando até a gravar um álbum com o veterano e venerável grupo Sparks (“FFS”, 2016), que mostrou ainda mais do eram capazes. E desde 2018, quando lançou um bom disco – “Always Ascending” – o Franz Ferdinand esteve mais na estrada do que no estúdio, chegando mesmo a lançar uma coletânea de hits em 2022, “Hits To The Head”. Dois anos depois, finalmente, um novo – e bom – trabalho.

 

“The Human Fear” tem um fiapo de conceito que tenta esmiuçar as diferenças e semelhanças entre manifestações do medo nas relações humanas e no cotidiano. A ideia é ambiciosa e interessante, mas, ao fim dos trinta e cinco minutos de duração do álbum, isso não faz tanta diferença. O que fica mais evidente é a chance de observar como uma banda da “Geração Strokes”, lida com o inexorável passar do tempo. Essa turma foi marcada especialmente pelo papel de “trazer o rock para seu trilho” em termos de rebeldia e abraço a um som mais básico em oposição direta ao que faziam bandas que derivavam do som praticado pelo Radiohead. Ao mesmo tempo, essa gente datou inapelavelmente a geração anterior, do rock americano de guitarras e do próprio grunge. Agora, duas décadas depois disso, é a hora dessa galera provar que o tempo não a feriu de morte.

 

Há várias maneiras de lidar com esse transcorrer do tempo. O FF, que é uma banda com recursos e diversidade, opta por confirmar isso oferecendo um monte de arranjos distintos e abrangentes. Como dissemos acima, “Audacious”, que é a grande canção do álbum, tem ares de rockão oitentista clássico e psicodélico, que funciona bem, mas, logo em seguida, “Everydaydreamer” já investe numa levada alternativinha e meio pop, que dá certo por conta da ótima melodia e dos bons vocais de Kapranos. “The Doctor”, por sua vez, ainda que esteja ainda na mira do som oitentista mais new wave, parece uma canção de bandas de segunda divisão, como o Oingo Boingo, por exemplo. Funciona por conta, novamente, do bom arranjo e do groove dançante irrecusável. Quando o ouvinte parece já entender o que o disco traz em termos de diversidade, “Hooked” desmancha tudo ao investir em um punk dançante que faz lembrar canções feitas por bandas como The Rapture, não por acaso, um contemporâneo do próprio Franz, que ganhou espaço fundindo timbres de disco music com rock alternativo e punk.

 

“Build It Up” e “Night Or Day” mostram facetas levemente distintas dessa liga sonora que tem os anos 1980 como ponto de partida, misturando um pouco de Bowie, timbres alternativos dos anos 00 e um monte de pequenos tiques e taques essencialmente britânicos que funcionam e amarram bem. A segunda metade de canções parece ter menos inspiração. “Tell Me I Should Stay” tem uma levada diferente e silenciosa, que poderia ter mais detalhes no arranjo, enquanto “Cats” mistura o timbre dançante com detalhes levemente country que me parecem um pouco fora de contexto. “Black Eyelashes” amplia a sensação de diferença com um arranjo que parece pegar inspiração em ritmos europeus centrais, com instrumentos exóticos e andamento meio travado. O rock mais simples e direto dá as caras em “Bar Lonely”, evocando novamente a herança britânica dos anos 1980 e arremetendo para o encerramento com “The Birds”, que tem dinâmica que parece citar o próprio Franz do início da carreira, quando “Take Me Out” tomou de assalto o coração alternativinho da época.

 

“The Human Fear” é um disco que mantém o Franz Ferdinand ativo e vivo, mas a banda precisa cada vez mais de algo que a faça ultrapassar a bolha de fãs mais fiéis. Ainda que seja um bom álbum, ele não parece ter fôlego ou inovação para conquistar novos adeptos.

 

 

Ouça primeiro: “Audacious”, “The Doctor”, “Hooked”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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