Flor Gil lança seu primeiro disco solo
Flor Gil – Cinema Love
28′, 9 faixas
(Gege)

A primeira coisa que gente chata deve pensar sobre Flor Gil é: “ah, é fácil pra ela ter uma carreira musical, vindo da família Gil”. Ainda que essa afirmação contenha alguma verdade, é também fato que Flor Gil Demasi, 16 anos, precisa provar seu talento logo de cara, e, se há uma coisa que a menina faz há algum tempo é subir no palco com o avô, os tios, primos, nos shows da Família Gil pelo mundo a fora. Eu mesmo a vi no palco do Mita, em 2022, integrando a banda, fazendo backing vocals, tocando um discreto teclado e, num momento solo fofo, cantando uma versão simpática de “I Say A Little Prayer”, clássico composto por Burt Bacharach e Hal David, famoso na voz de Dionne Warwick. Flor também duetou com Gil numa igualmente simpática versão de “Refazenda”, seu clássico absoluto de 1975. Ou seja, achar que Flor é uma principiante no assunto é pagar de desinformado, ela tem talento e, claro, uma grande estrutura empresarial para se aventurar no universo musical atual. E tudo isso repousa na persona artística que ela decide encarnar, cultivar e desenvolver. No caso deste “Cinema Love”, Flor é uma adolescente quieta, contemplativa, romântica, com sentimentos aflorados e uma certa timidez, que pode ser a ponta de lança de um charme artístico que venha a desenvolver com o tempo. A julgar pelas faixas do álbum, ela deu um primeiro passo relevante. Vejamos.
Em primeiro lugar, Flor tem referências. Em certo momento do álbum, surge uma elegante, frágil e delicadíssima versão de “Moon River”, clássico atemporal de Henry Mancini, tema do filme “Bonequinha de Luxo”, de 1961. É um indicativo de que há elegância, estofo e informação na persona de Flor. Não poderia ser diferente e isso conecta a jovem com sua origem novaiorquina e com todo um idioma informativo que será bastante útil e importante. A produção, a cargo de Barbara Ohana, opta por dialogar com a modernidade eletrônica, mas com muita parcimônia. Os respingos de beats e sintetizadores ficam em segundo plano na maioria do tempo. A mencionada versão de “Moon River”, por exemplo, é acústica, com um arranjo elegante de violão e cello, com Flor colocando seu fio de voz a serviço da melodia, sem exatamente cantar a letra da canção. Outro momento em que essa opção fica evidente é “Starstruck”, com muito de r&b e indie pop em sua levada elegante e fluida. Ou seja, tudo aqui surge parcimônia, economia, elegância.
“Cinema Love” tem nove faixas, sendo “Interlude” uma vinheta de pouco mais de um minuto. Há quatro convidados ao longo delas, três deles presentes. “Choro Rosa” traz a portuguesa Maro, que Flor conheceu quando se apresentou com a Família Gil por aquelas bandas. A canção é bela e delicada, com violão dedilhado e vocais emparelhados, frágeis, sugerindo fofura contemplativa e doce. “Paradise”, outra das que têm um instrumental mais sintonizado com o pop vigente internacional, tem belo arranjo climático e participação de Carol Biazin. O resultado parece com algo que Céu poderia ter gravado há alguns anos. E “Saudade” traz Vitão duetando nos vocais. A canção foi composta por Gil e reaproveitada por Flor, em approach de mais violão dedilhado, fofura meio praiana, meio encoberta, com vocalises e climinhas por todos os cantos. Mas Flor se sai melhor em canções sem presença alheia. A já citada “Starstruck” é bacanuda, charmosa, talvez próxima do que faria Fernanda Abreu se surgisse hoje para a música. A faixa-título, também envolta em nuances eletrônicas mescladas com instrumentos acústicos, sugere o que seria a temática do álbum – amor, romance via cinema como um meio de “se apaixonar sem ter uma pessoa certa”, como disse Flor em entrevista recente.
Esta faixa e “Lost In Love” são o que há de melhor no álbum. Esta fecha o percurso sonoro de “Cinema Love” e traz uma elegante melodia envolta num arranjo chique, uma espécie de trip hop acústico, que serve para a voz de Flor. Mas, precisamos dizer, se há algo a ser melhorado, além do evidente amadurecimento que virá com o tempo, é a voz. Flor tem um registro muito frágil, que, claro, pode até ser colocado a seu serviço como se fosse uma marca registrada ou mesmo seu charme pessoal, mas, do jeito que está, é mais desculpável por ser uma estreia. Em pouco tempo, será pouco. Por enquanto, é aceitável e compõem bem o meio de campo de “Cinema Love”. Vale ouvir.
Ouça primeiro: “Moon River”, “Strarstruck”, “Lost In Love”, “Cinema Love”

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.