Fleet Foxes – Shore

 

 

 

Gênero: Folk alternativo
Duração: 54 min
Faixas: 15
Produção: Robin Pecknold
Gravadora: Anti

5 out of 5 stars (5 / 5)

 

O quarto disco do Fleet Foxes é o melhor que já fizeram. Digo isso porque aqui a banda de Seattle chegou ao seu resultado mais bem acabado, levando em conta que sempre se equilibrou entre um abraço ao folk rock anglo-americano do início dos anos 1970 e à tentação de misturá-lo a experimentos jazzísticos, cabecísticos e esquisitos. Seus outros trabalhos exibiam brilho intenso, mas padeciam deste desequilíbrio, ora muito experimentais, ora desavergonhadamente próximos de estéticas já executadas com mais competência por gente como Crosby, Stills & Nash, por exemplo. Ainda que haja uma evidente consideração na comparação com esta instituição da música mundial atemporal, o Fleet Foxes ainda precisava provar algumas coisas e “Shore” vem de peito aberto, cheio de conceito, alegorias visuais, referências, esmero sonoro, arranjos belíssimos e uma produção exuberante, a cargo do vocalista, guitarrista e cérebro pensante, Robin Pecknold. O resultado é, de fato, um disco belíssimo, que envolve o ouvinte e o leva para passear na floresta dos sentimentos mais nobres.

 

 

“Shore” não tem só acenos ao folk rock, mas também há algo de rock progressivo em muitas passagens, o que não é novidade, especialmente se olharmos para o trabalho anterior do Fleet, o ambicioso “Crack-Up”, de 2017. Mas, como dissemos acima, se aquele álbum era excessivamente difícil e experimental, “Shore” é uma lindeza que se oferece para ser vista e ouvida. Chegou aos fãs da banda no dia do equinócio de outono no Hemisfério Norte, primavera para nós, em 22 de setembro. Abriu sua foto de água beijando a terra como sinal de segurança, algo que foi endossado pelo próprio Pecknold, que definiu o álbum como o equivalente sonoro a pisar na terra firme após passar muito tempo em ambientes tempestuosos. A metáfora vale e é bem-vinda neste ano de 2020, no qual tivemos tudo, menos território seguro para pisar. De fato, a doçura que as canções do disco trazem, nunca abusando disso, soam como sombra fresca num dia de calor extremo, ou como um picolé de limão após passar muito tempo sob o sol. A sensação é, de fato, refrescante.

 

Gravado em vários estúdios, em diversos períodos, “Shore” não demonstra qualquer falta de coesão. Pelo contrário, ele é um disco com profunda conexão entre as faixas, algumas delas se debruçando sobre as outras, mas nunca de tornando aquela suíte progressiva interligada que a gente já conhece bem. As canções dão pistas sobre as que vêm em seguida, numa espécie de sensação de familiaridade oferecida para quem vai na ordem correta das faixas. Aliás, “Shore” é um disco no sentido estrito. Não é um punhado de singles, é tudo mais ou menos dentro deste espectro sazonal/outonal, que traz a imagem de folhas secas, amarelas e um pouco menos de calor. Há frio mas não necessariamente o céu está cinza e essas alegorias importam muito na hora de entender o clima que o Fleet Foxes persegue – e alcança – por aqui. Além deste fio de conceito que potencializa o clima do disco, “Shore” tem alguns momentos muito, muito bonitos.

 

As três primeiras faixas, “Wading in Waist-High Water”, “Sunblind” e “Can I Believe You” são três atos de uma mesma peça sonora que se coloca à disposição do ouvinte para ser compreendida. Pianos, coros, melodias celestiais, tudo está presente em cada uma delas, de forma diferente-mas-parecida. Outras faixas surgem sozinhas e autônomas dentro do ciclo sonoro do álbum: “Featherweight” tem, perdoe o trocadilho, a leveza de uma pluma, seja na voz doce de Pecknold, seja no arranjo de violões e guitarras sobrepostas a pianos e coros. “A Long Way Past To The Past” mistura guitarras e vocais que lembram um Neil Young jovem acordando de bom humor numa manhã de sol, enquanto “Maestranza” abre espaço para alguns toques de jazz que lembram o Nick Drake de “Bryter Later”. “Going-To-The-Sun Road” tem participação de Tim Bernardes e lembra, de fato, algo que poderia ser uma releitura de Lô Borges ou Beto Guedes, misturado com metais e psicodelia. “Can I Believe You” tem melodia e andamento calcados no piano e nos vocais de apoio enquanto a faixa-título, que encerra o álbum, é mais lenta e soturna, novamente lembrando algo que poderia ser até mesmo de Bill Withers, o mais folk dos soulmen.

 

 

“Shore” é, de fato, uma ilha de paz e tranquilidade num oceano de caos absoluto. É um trabalho gentil, descomplicado e com melodias feitas em laboratório com o que há de mais persuasivo em termos de beleza total e inquestionável. Uma pequena e gentil obra-prima.

 

 

Ouça primeiro: “Sunblind”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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