Finneas é muito mais que irmão de Billie Elish em seu segundo disco solo
Finneas – For Cryin’ Out Loud!
40′, 10 faixas
(Interscope)
Se você admira o – ótimo – trabalho da cantora e compositora americana Billie Elish, certamente conhece seu irmão, Finneas O’Connel. Ele é o responsável pela produção e co-concepção de tudo que Billie grava e, a julgar pelo sucesso alcançado por ela em tão pouco tempo, é de se esperar que o sujeito tenha a manha. Com uma carreira que, inicialmente, foi de ator, Finneas evoluiu rapidamente para se tornar um dos grandes produtores do pop mundial e isso é incontestável. Sua capacidade de conferir identidade às canções e álbuns que Billie grava é admirável e ele faz isso com simplicidade e naturalidade. Falar sobre seu talento não é desmerecer Billie, que, certamente tem uma parcela considerável de responsabilidade sobre o que faz, mas não dá pra saber o rumo que seu trabalho tomaria sem a presença de Finneas no comando das ações. Ele lançou um álbum em 2021, “Optimistic”, no qual mostrou-se capaz de uma vida própria como cantor e compositor, o que, sabemos bem, é totalmente diferente de ser um cara que atua nos bastidores, como é o caso o produtor. Com esta desenvoltura e o constante sucesso da irmã, inclusive ganhando o Oscar duas vezes, com canções escritas em parceria com ele, Finneas retorna ao disco com este surpreendente “For Cryin’ Out Loud!” no qual apresenta influências do pop noventista e dos anos 2000 em dez canções redondíssimas.
Se “Optmistic” era um disco mais na onda do cantor/compositor solitário, este novo trabalho apresenta uma sonoridade muito calcada em uma banda. Baixo, bateria, guitarra e teclados se unem ao piano e à voz de Finneas, que segura a onda com facilidade e mostra um resultado que tem muito em comum com artistas como Harry Styles e similares. A gente nota a influência do idioma pop de décadas anteriores e perceber o reempacotamento dessas informações para a sonoridade atual, sem perder a referência ou abrir mão de soar como novidade para ouvidos que ainda não conhecem os originais. Os arranjos são lineares e “tradicionais”, não abrindo mão de usar metais e cordas quando necessário, com um resultado que harmoniza muito bem com influências que poderiam ser do Michael Jackson oitentista, da cantora anglo-nigeriana Sade Adu, George Michael, Robbie Williams e até de alguns momentos do Coldplay inicial, quando ainda era uma banda e não uma sucursal da Unesco.
De nada adiantaria a noção de estúdio, a boa habilidade na produção e as influências relevantes se Finneas não tivesse capacidade para cantar e soar como um artista consolidado. E ele tem, de sobra. E não tem medo de trafegar pelo máximo de espaço que essa sonoridade “pop tradicional” pode proporcionar. Por exemplo, ele abre o álbum com uma balada dilacerada ao piano, “Starfucker”, na qual coloca cordas e detalhes belos no arranjo para falar de um desamor por alguém que ficou para trás mas que ainda desperta amor. O resultado é bem bonito e abre caminho para vários outros momentos bacanas. “What’s It Gonna Take To Break Your Heart” tem vibrações soul pop de primeira grandeza, lembrando, por exemplo, gente como Mayer Hawthorne e mostrando um ótimo gosto para brincar com essas convenções mais tradicionais do pop, como, por exemplo, os backing vocals harmoniosos e as guitarrinhas em chacundum. Esse idioma segue presente na ótima faixa seguinte, “Cleats”, que mecla acenos ao tradicionalismo dos anos 1960 com o pop pianístico dos anos 2000. Falando nisso, em “2001” ele embarca na dinâmica do Coldplay inicial mas insere uma levada pop muito mais autêntica e vigorosa do que qualquer produção da banda inglesa pós-2008.
Essa associação com o soul-funk mais pop segue em outra faixa adorável, “Sweet Cherries”, que lembra alguma canção dos anos 1980 que a gente ouve no rádio depois de décadas e lembra como se fosse ontem. Novamente a dinâmica do arranjo é ótima e surpreendente, uma vez que a canção praticamente acaba na metade e, a partir daí, tem início algo totalmente diferente. Mesmo assim, tudo convence e confirma a belezura da faixa. A faixa-titulo é outro bom exemplo de sonoridade coldplayana inicial sendo usada a favor de um resultado pop de bom gosto, sendo transformada por infusão de bateria, baixo e guitarras funk, dando mais vida e sentido ao resultado. E a melhor canção do álbum vem por último, a sensacional “Lotus Eater”, que parece feita em laboratório a partir de fragmentos de DNA do pop aeróbico oitentista/new wave, com tudo jogando a favor da melodia, dos vocais e do arranjo que enfatiza o aspecto dançante da canção.
A julgar por este álbum, já dá pra pensar em Finneas como um artista completo e não apenas “o produtor da irmã, Billie Eilish”. O sujeito tem, de fato, a manha e total capacidade de mandar muito bem. Escolha sua preferida e saia decorando letra e oferecendo para quem você ama.
Ouça primeiro: “What’s It Gonna Take To Break Your Heart”, “Cleats”, “2001”, “Sweet Cherries”, “For Cryin Out Loud!”, “Lotus Eater”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.