Far From Alaska abraça o bom pop e entra em hiato
Far From Alaska – 3
43′, 12 faixas
(Marã Música)

Duas coisas saltam aos ouvidos após uma audição de “3”, do grupo Far From Alaska: a ótima qualidade da gravação/mixagem e o firme propósito de conduzir seu “eletrorock” em direção a idiomas cada vez mais pop. Na verdade, este é um processo que está em curso desde a estreia do Far From Alaska há onze anos, com o álbum “Modehuman”. Ali, com uma sonoridade que lembrava uma cruza entre Royal Blood e, vá lá, Pitty, os sujeitos conseguiram estabelecer seu nome na cena nacional e iniciar a peregrinação duríssima em shows e corres diversos. O FFA sempre foi uma banda cujos integrantes se dividiram em projetos paralelos e, ao mesmo tempo que isso oxigenava a proposta estética, atrapalhava a continuidade linear do grupo. Desde então, a trajetória do hoje trio – começou como quinteto – mostra um trabalho que amadurece e assume novas formas. O público gosta, os músicos também e a gente, bem, a gente tenta dissecar o que está ouvindo.
Como o nome ja diz, este é o terceiro disco da banda potiguar. O atual trio, formado por Emmily Barreto (vocais), Cris Botarelli (lap steel, sintetizador e vocais) e Rafael Brasil (guitarra), esteve envolvido no processo criativo dessas canções desde antes da pandemia da covid-19. A ideia era gravar o sucessor de “Unlikely” (2017) e cumprir toda o rito de criação, composição e divulgação lá por 2020, 2021, mas, com o covid-19, o grupo viu seu planejamento degringolar rapidamente. Com as canções já compostas e presos em casa, os intregrantes iniciaram uma divulgação parcial e gradativa em três EPs, lançando, ao todo, nove canções em três anos. Agora, com o lançamento do disco, chegam as últimas três faixas deste período. De cara já é possível notar que o tal caminho em direção ao pop segue inabalado. É interessante notar como há um equilíbrio bem dosado entre as referências pesadas e pop, com temperos interessantes, que vão do reggae aos ritmos nordestinos, sem que possamos entender essas referências como apelativas ou algo do gênero. Se há uma impressão confortável em “3” é que ele faz total sentido.
Dá pra dizer que o caráter multifacetado de “3” tem a ver com uma boa quantidade de convidados. Ao longo das doze faixas uma galera significativa vai aparecendo. Lenine surge em “olha”, o veterano reggaeman inglês Pato Banton, insere os tiques e taques em “secret”. Os cariocas do Medulla estão em “future”. Lucas Silveira, vocalista da Fresno, coproduz “cuz you”, “good part” e “trouble”, enquanto Izzy Castro (Twin Pumpkin) assina a pilotagem de estúdio de “olha” e a coprodução de várias outras faixas. Luiz Gadelha (Talma & Gadelha) é coautor de “auuu”, e Gabriel Souto (DuSolto, Luísa e os Alquimistas) coescreveu “hardxote” e coproduziu “trouble”. Com essa galera embarcada, o que se ouve é bem diverso e interessante, jamais soando fora de sentido ou descaracterizado. Até “secret”, o reggae com Pato Banton, soa bacana e inserido neste contexto de modernidade.
Outras quatro faixas respondem por momentos bacanas em “3” – “olha”, a canção gravada com Lenine, tem um arranjo que utiliza muito bem o timbre vocal do cantor e compositor pernambucano, sempre próximo da imagem apocalíptica daquelas pessoas com placas “o fim está próximo” penduradas no pescoço. Aqui a sonoridade pop pesada do FFA tempera este timbre, com um ótimo efeito. A suingada “txananam” também bate um bolão, com uma batida aerodinâmica bem apurada em sintetizadores e blips/blops eletrônicos. Logo depois dela, “cuz you” também vai neste mesmo ambiente metal/eletrônico com ecos de Garbage e uma boa pegada pop, que torna a canção muito dançante e plural. Já “future”, com participação do Medulla, tem um pé mais fincado no nu-metal, mas isso não chega a atrapalhar. E a melhor canção do álbum, “hardxote”, não só pelo título, mas pela dinâmica meio rap, meio brega, meio qualquer coisa, funciona que é uma beleza. Impossível não pensar numa multidão pulando ao som desses timbres.
O Far From Alaska anunciou que entrará em hiato por tempo indefinido. Nos próximos dias, o grupo gravará um DVD com performances acústicas desse repertório e se dividirá entre os vários projetos paralelos vigentes. Antes disso, seus integrantes avisam – “a gente voltará para mais um disco loucão quando for a hora”. Vamos aguardar.
Ouça primeiro: “txananam”, “cuz you”, “future”, “hardxote”, “secret”, “olha”

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.