Eiko Ishibashi faz rara e bela incursão no pop

 

 

 

 

Eiko Ishibashi – Antigone
40′, 8 faixas
(Drag City)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

Talvez você nunca tenha ouvido falar da artista japonesa Eiko Ishibashi. Se ouviu, é mais provável que tenha sido por suas belas trilhas sonoras, mais especificamente para obras recentes do diretor Ryusuke Hamaguchi, a saber, “Drive My Car” (2021) e “O Mal Não Existe” (2024). Em ambos os longas, Eiko criou atmosferas distintas, mas igualmente contemplativas e que acompanhavam as imagens e desenrolar das tramas, sempre com respeito mas, a certa altura, a gente não consegue mais distinguir imagem e som. Compositora de treino clássico, mas fascinada por rock progressivo desde jovem (“Foxtrox”, do Genesis, é uma paixão de adolescência), Eiko Ishibashi é muito mais uma artista vanguardista, livre de qualquer rótulo. Suas obras, além das trilhas para cinema e TV, são sempre de talhe experimental, às vezes em colaboração com o marido, Jim O’Rourke, sujeito conhecido por ter passado pelo Sonic Youth e por bandas bacanas de Chicago, como o The Sea And Cake e o Tortoise, por exemplo. Mas Eiko também tem seu lado pop e ele aparece de tempos em tempos. A última vez foi em 2018, quando lançou “The Dream My Bones Dream” que, mesmo “pop”, tinha um conceito ligado ao pai de Eiko e sua visão pessoal da invasão da Manchúria pelos japoneses em 1940. Agora, seguindo o mesmo caminho, ela volta a uma abordagem mais popular de música, trazendo como conceito uma das figuras mais importantes da mitologia grega.

 

“Antígona” é o nome de uma peça escrita por Sófocles em 442 a.C, que traz a deusa grega, filha de Édipo, cujo comportamento livre e indomável trouxe várias tragédias. Aqui, em seu novo álbum, Eiko explora a liberdade de escrever e gravar canções sem as amarras dos rótulos a que está acostumada e aproveita essa circunstância para mergulhar em influências setentistas pouco óbvias, usando instrumentos acústicos e eletrônicos que vão se mesclando. Seu uso dos teclados e sintetizadores é admirável, mas os arranjos que ela mostra nessas oito faixas oferecem um banquete para os ouvidos e devem ser analisados com fones de ouvido e imersão total. O resultado é lindo e garantido. Há vários momentos em que detalhes irão saltar, um andamento oblíquo aqui, uma passagem instrumental distinta ali, algo que acontece por sobre a linha melódica principal. Tudo é muito bonito e não tem pressa de acabar. Ou seja, não há qualquer compromisso com a rapidez e o multicomércio atuais. Tudo tem seu tempo – ela, as canções, o ouvinte.

 

Uma vez dentro de “Antigone”, quem se aventura pelo álbum ficará curioso pela sonoridade “estranha-mas-conhecida” que surge. O disco demora pra fazer efeito no sentido de conquistar a confiança do ouvinte, uma vez que tudo é noturno, espacial, setentista e do pretérito mais que perfeito, ou seja, poderia ter acontecido, mas não aconteceu – será? Tem a ver com o som do Air, mas é mais pesado e intrincado. A segunda faixa, “Coma”, esboça uma levada mais ou menos familiar mas os vocais diáfanos de Eiko e o instrumental misterioso confundem quem quer se aconchegar no som. Em termos vocais, há ecos nítidos de Julee Cruise, a cantora que adornou várias obras de David Cronenberg e essa sensação vai aparecer mais vezes ao longo do percurso. É como se os Carpenters tivessem sido abduzidos e retornassem diferentes. Há doçura e mistério em doses iguais e se torna impossível não querer chegar até o fim.

 

“Mona Lisa” é algo que vai além dos parâmetros de beleza. O andamento é lento, a voz de Eiko segue como se viesse de uma outra esfera e a melodia vai se locomovendo devagar, sem revelar de onde veio e pra onde vai. “The Model” (que não é a do Kraftwerk) é outro destaque impressionante. A bateria tem uma dinâmica hipnotizante e nada óbvia, enquanto a melodia se espraia sobre os sintetizadores e sons misteriosos, com um espírito de que estamos indo em direção à luz depois de muito tempo. Tudo é muito, muito belo e diferente. Ao fim dos mais de oito (!!) minutos, um barulho de vozes indistinstas e sons esquisitos toma conta e nos confunde – estavam ali desde o início? De onde vieram? O que significam?. Ainda estamos tentando responder quando a sublime faixa-título entra em cena, soando como se Burt Bacharach também fosse abduzido e retornasse bem modificado. Doçura e beleza, claro e escuro, tudo meio encoberto pelos vocais em japonês.

 

“Antigone” é um disco raro. Não ouvimos ou vemos algo tão belo e instigante com frequência no nosso pobre e acelerado mundinho. Eiko Ishibashi, vai, vem, volta, revela, esconde e encanta nessas oito faixas. Ouça ontem.

 

 

Ouça primeiro: “Coma”, “The Model”, “Mona Lisa”, “Antigone”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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