Duas figuras do “verão Brat” estão aqui
The Dare – What’s Wrong With New York?
27′, 10 faixas
(UMG)

Fcuckers – Baggy$$ EP
19′, 6 faixas
(Technicolor)

Vamos mapear o tempo para você. E vamos ficar só nos últimos, digamos, vinte anos. Primeiro vieram bandas como The Rapture, misturando música dançante – disco music ou algo no gênero – com guitarras pesadinhas, lá pelo início dos anos 2000. Alguns anos depois, veio o LCD Soundsystem, misturando tudo isso com batidas eletrônicas e refletindo uma cena que já existia então – a cena electroclash da Grande Maçã, consistindo em várias pessoas jovens, em busca de noites inesquecíveis ao som de batidões disco, punk, eletrônica ou algo assim, se espremendo em boates minúsculas ou indo a “nights” oferecidas por DJs emergentes em buracos ainda menores. Tudo isso remetia a experiências sonoras feitas ainda na virada da década de 1970/80, num balaio de gatos grande o bastante para caber Talking Heads, Chic, Blondie e Madonna, cada um a seu tempo e de um jeito próprio, ajudando a forjar essa sonoridade, que vem e vai, qual um bumerangue. E quem está segurando o estandarte deste som agora? Bem, muita gente, mas dá pra cravar dois nomes fortes: o grupo Fcuckers e The Dare, ambos emergindo de Nova York.
Falaremos primeiro de The Dare, na verdade, Harrison Patrick Smith, produtor e DJ, cujas festas Freakquencies ajudaram a trazer o electroclash – essa mistura de rock, dance, disco e tudo mais – para uma audiência de pós-millennials, que, deslumbrados com a ferveção, povoam os subterrâneos da metrópole em busca de dança e loucura. Gente como Billie Eilish e Charlie XCX buscaram em The Dare um revestimento baladeiro enlouquecido para turbinar seus últimos álbuns e, no Reino Unido, Charlie ajudou a criar a tal “estética brat”, movida a esta sonoridade noturna e dançante.
Já aviso que duas sensações brotam da audição deste conciso “What’s Wrong With New York?”: é legal e não tem nada de novo. Ou melhor, de novidade. De fato, a sonoridade que permeia essas dez faixas é totalmente fiel a este batidão disco-punk-rock de dantes no quartel de abrantes, feito por todo mundo que está listado no parágrafo anterior. Mas, nos atendo à parte positiva, de fato, trata-se de um disco bacaninha, ainda que seja muito curto – menos de meia hora. Na verdade, esta rapidez é fruto direto da urgência cada vez maior que as pessoas têm por consumir um produto artístico que seja fácil, simples, direto e objetivo. Não tem muito espaço para delongas e enrolações – as canções começam da mesma forma, abusam e usam de um falatório verborrágico autoexaltante e terminam após dois, três minutos, no máximo. Em meio a esta fórmula, muita gritaria, guitarrinhas bem colocadas, batidas feitas em laboratório para que todo mundo, ao menos, acompanhe o ritmo com os pés e dá pra gente destacar o hit “Girls”, “Good Time” e a peculiar “I Destroyed Disco”.
Já com o Fcuckers o buraco é bem mais embaixo e a diferença toda está no fato de que os sujeitos – Shannon Wise, Jackson Walker Lewis e Ben Scharf – são absolutamente sensacionais. Shannon canta como se fosse uma menina rica que tivesse caído no mundo das drogas, da noite, do fervo e, mesmo assim, estivesse morrendo de tédio. Jackson e Ben criam esqueletos sonoros de baixo (sintetizado e real) e batidas (que são orgânicas ou não) que vão fornecer a estrutura mínima para alguns samples darem o tom. “Bon Bon”, absolutamente sensacional, tem o baixo sintetizado arenoso e dançante, enquanto “Homie Don’t Shake” ganha o prêmio de sample mais legal de 2024 por usar “Devil’s Haircut”, de Beck, como ponto de partida, servindo de decoração para a voz de Shannon brincar. tem adoráveis pianinhos. Quando você pensa que a canção está engrenando, ela muda completamente de direção e investe num frenesi dançante que é emocionante e muito original. “Heart Dub” é um fiapo de canção, com um baticum insistente e Shannon soltando gemidos aqui e ali, mas, há uma situação dance house noventista pronta para eclodir, o que acontece lá para o meio da canção e dita o ritmo até o fim. “UMPA” parece levar algo da batida de “There Boots Are Made For Walking”, de Nancy Sinatra, para propulsionar uma batida pra lá de sexy e altamente subversiva. “I Don’t Wanna” segue com essa batida insolente e com mínimos recursos, para chegar em “Tommy”, a última faixa, que é conduzida por um batidão Miami Bass revisitado, cheio de freestyle, que vai sendo encorpado e estofado por tons e tons de baixo e sintetizadores, enquanto Shannon encarna uma disco-diva do metaverso.
The Dare é bacana e Fcucker é, simplesmente, uma das coisas mais sensacionais do ano. Sua insolência dançante, house, largada, preguiçosa e genial é um tempero irresistível nesse pequeno caleidoscópio sonoro que sua estreia em “Baggy$$”, um EP que tem os melhores vinte minutos da música em 2024. Ouça e comprove.
Ouça primeiro:
The Dare: “Girls”, “I Destroyed Disco”
Fcuckers: “Bon Bon”, “Heart Dub”, “Homie Don’t Shake”, “UMPA”, “I Don’t Wanna”, “Tommy”

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.