Brasil, o inimigo dos X-Men

 

A primeira cena de X-Men (2000), a estréia dos mutantes no cinema, foi pensada para ambientar de imediato o público no universo dos personagens. Em um campo de concentração nazista na Segunda Guerra, um menino judeu é violentamente separado de seus pais. Ao perceber seu destino ele entra em desespero e é contido pelos soldados alemães. Seus poderes genéticos então se manifestam pela primeira vez, de forma surpreendente, e o filme corta para o presente. O menino irá se tornar Magneto, vilão e por vezes aliado dos heróis reunidos pelo Professor Xavier. A mensagem busca ser a mais clara e direta possível: os X-Men e os mutantes são vítimas de preconceitos e perseguições que, no passado, permitiram que terrores como o holocausto judeu pudessem acontecer.

 

E quem gostaria de estar ao lado de um projeto de poder e aniquilação tão vil e degenerado quanto o da Alemanha nazista? Somente sujeitos de mentalidade obscura e sectária, por certo. Racistas e tacanhos. Perfil mais do que adequado para um vilão de gibi. Pois é exatamente isso que o Brasil acabou de se tornar na quinta edição de House Of X, mini-série que relança a franquia dos personagens nos quadrinhos e sedimenta seu futuro próximo. O Brasil é listado como um dos países que recusa um acordo diplomático com a nação de Krakoa, agora dominada pelos mutantes. A razão, segundo a história, é “política”.

 

Nosso país figura em uma lista ao lado de Irã e Coréia do Norte, Rússia e Venezuela, nações percebidas, em graus diferentes, por grande parte do mundo como autoritárias e excludentes. Segundo a história, mais de cem países assinaram acordo com o lar dos X-Men, e os que não o fizeram passam a ser considerados adversários. Um gibi regular de super-herói possui cerca de vinte, vinte e duas páginas mensais. São de leitura rápida e serializados e por isso fazem uso frequente de recursos simbólicos para transmitir alguma ideia. Esses símbolos precisam geralmente ser de fácil identificação, sólidos, de maneira que o maior número possível de leitores possa identificá-los rapidamente sem atrapalhar a fluência da leitura.

 

O Brasil está sendo percebido como uma caricatura do que há de retrógrado e sectário no plano mundial. Ao ponto de um gibi, em plena Era Trump, relegar nosso país ao rol das nações inimigas da liberdade. É nesse patamar abissal que o atual governo parece ter arremessado o Brasil, com sua diplomacia fundamentalista, seus ataques às liberdades individuais e intelectuais, a destruição incentivada do meio ambiente.

 

Jonathan Hickman, o escritor responsável por essa nova fase, é uma das estrelas do mercado, tendo passado por projetos independentes e capitaneado as histórias dos Vingadores durante a explosão da equipe nos cinemas. Sua versão dos X-Men eleva os personagens ao ponto mais alto de suas capacidades especiais. Eles ressurgem poderosos, firmes na defesa de sua espécie. Orgulhosos de sua história e poder. Seus antagonistas são menores, incapazes de abraçarem a diversidade de um mundo que, a despeito de tudo em contrário, progride. O estrago que o governo de extrema direita têm causado ao Brasil enquanto um dado cultural remonta quase ao incalculável. Solidificamos mais e mais nossa ligação com a ideia do atraso. É uma vergonha sem precedentes. É claro e forte o suficiente para se tornar pastiche em um gibi.

 

No início deste século uma série do Capitão América causou polêmica ao mostrar o herói enfrentando uma ameaça terrorista do mundo real. Se cruzava uma fronteira pouco visitada nas HQs mais comerciais. Os inimigos eram o Talibã. Ninguém em 2002 diria que os talibãs não eram vilões.

 

O Brasil precisa interromper sua queda antes de virar o talibã da vez.

Fabio Luiz Oliveira

Fabio Luiz Oliveira é historiador e crítico da Arte não praticante. Professor da rede pública do Rio de Janeiro. Escritor sem sucesso, espanta o mofo de seus textos em secandoafonte.wordpress.com

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