Black Pantera amplia horizontes sonoros em novo álbum

 

 

 

Black Pantera – Perpétuo
39′, 12 faixas
(Deck)

5 out of 5 stars (5 / 5)

 

 

 

 

 

É importante e necessário que haja uma banda como o Black Pantera em atividade no Brasil de 2024. Há alguns anos as tensões que caracterizam a nossa sociedade conservadora, burra e atrasada chegaram a extremos perigosos e as minorias estão com alvos pintados em cores vivas nas suas costas. Sendo assim, é um alento ouvir alguém surgir com versos como “O continente-mãe, todo o Atlântico assistia, um oceano inteiro de agonia”, logo no início da faixa-título deste segundo álbum dos mineiros de Uberaba. Confesso que “Ascensão” (2022), o trabalho anterior do trio, me decepcionou justo por se inserir num nicho específico – e estanque – do metal/hardcore nacional. A estreia do Black Pantera havia sido, justamente, com um EP de covers pesadas no qual cobria um terreno que ia de Rappa a Jorge Aragão, passando por Elza Soares, ou seja, algo mais plural em termos sonoros. Sendo assim, este “Perpétuo” chega para dar alento à parte musical do grupo, incorporando elementos que remontam a influências de bandas como Living Colour, O Rappa, Pavilhão 9 ou System Of A Down, ou seja, mais plurais, criativos e interessantes para além do nicho metálico.

 

É claro que os arranjos pesados e enguitarrados dão a tônica por aqui e nem deveria ser diferente. Abrir os horizontes não significa perder o fio do gume de suas canções e não compromete em nada a carga de agressividade que elas demandam. Tal abertura, no caso do Black Pantera, significa incorporar levadas mais ritmadas, percussões e linhas de baixo que tangenciam o melhor dos melhores momentos do Red Hot Chili Peppers, caso específico da ótima “Fudeu”. Chaene da Gama (baixo e vocal), Charles Gama (voz e guitarra) e Rodrigo Pancho (bateria) mostram em vários momentos um entrosamento maior, fruto de dez anos de atividade, ainda que a banda só tenha sido descoberta após 2022, quando passou a chamar a atenção do circuito de festivais aqui e lá fora. Justamente por conta desse olhar para o exterior e por uma conscientização de que, junto com a ancestralidade africana, o Black Pantera também é uma banda latinoamericana, ou seja, há mais do que um “tribalismo” na adição desses elementos. É uma necessidade natural.

 

O cotidiano de pessoas pertencentes a minorias são a inspiração primordial das letras do álbum. Na já citada “Fudeu”, o verso “eles querem que o preto se foda, não vai rolar” poderia servir para gays, para mulheres, num exercício de reconhecimento do companheiro de fronteira, algo que importa demais em um contexto como o nosso. Em “Promissória”, por exemplo, essa noção vai além da questão meramente social e adentra a opressão econômica exercida pela lógica neoliberal vigente, espremendo os minguados orçamentos da maioria da população, algo ainda mais penoso quando se trata de uma família negra: “É dia de pagamento, venceu sua fatura, sua parcela tá atrasada desde a escravatura, não identificamos o pagamento, a dívida histórica segue ativa no momento”. Para quem tem o mínimo de noção da injustiça essencial à sociedade brasileira, erguida sobre a escravidão do povo negro, ler isso é lavar e enxaguar a alma nas águas do rio.

 

A presença da percussão é essencial para a extensão maior da mensagem, bem com para constitui-la de forma mais abrangente. O efeito é notado em ótimas canções, como “Candeia”, que trata uma linha histórica de várias questões que estão na própria engrenagem do sistema, falando sobre a dificuldade em vencer na vida pelo acesso ao conhecimento e das conquistas obtidas a duríssimas penas e que estão sob constante risco dentro do horizonte conservador e preconceituoso parece espreitar. Em “Tradução”, a narrativa fala sobre “uma mãe que tem hora pra chegar mas não tem hora pra sair”, novamente espelhando na vida cotidiana de uma maioria esmagadora toda uma lógica que faz com que várias famílias pobres estejam contempladas nos versos. Na rapidíssima “Sem Anistia”, turbinada por um arranjo hardcore supersônico, os versos “Deus, pátria, família, golpe de estado, sem anistia” é repetido como um mantra, mostrando que não pode haver relaxamento no combate a quem só existe para combater de forma injusta.

 

“Perpétuo” é documento da realidade brasileira das minorias que acabam se tornando maioria sob as engrenagens sociais vigentes. É inspiração, bússola e necessidade sendo atendida. Deveria ser distribuída nas escolas, as mesmas que as pessoas acham que deveriam ser militares. Viver no Brasil é a eterna vigilância mas seguimos em frente. Arrasador.

 

Ouça primeiro: tudo, mas preste especial atenção em “Fudeu”, “Candeias” e “Promissória”.

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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