Billie Eilish no topo do mundo
Billie Eilish – Hit Me Hard And Soft
44′, 10 faixas
(Interscope)

Não há artista mais criativa no pop planetário mainstream que Billie Eilish. Sua música, sua atitude, sua perspectiva e seus álbuns comprovam que ela, apenas aos 22 anos, em parceria constante com o irmão, Finneas, vem conseguindo criar uma obra que consegue aliar rebuscamentos estéticos e ótimas ideias, impondo-as a uma lógica que visa, acima de tudo, a disseminação maior e constante. Ou seja, trocando em miúdos: Billie faz ótima música, muito pop e muito criativa, que surpreende, não só por algumas ousadias anti-pop como por demonstrar, especialmente neste novo trabalho, que está mais disposta a compor e gravar aquilo que ela quer e não o que esperam que ela faça. Há alguns momentos em “Hit Me Hard And Soft” que Billie e Finneas parecem ter mandado um “f***-se” para tudo e todos e subvertido potenciais cançonetas inocentes ou lineares em mutantes surpreendentes. Mas calma, chegaremos lá.
A música que Billie faz é essencialmente eletrônica, mas não apenas isso. Os meios de produção, gravação e arranjos sempre são calcados em sintetizadores, teclados e programações, dando origem a canções intencionalmente abafadas, noturnas, enigmáticas, nada óbvias. Dentro desta proposta, os dois álbuns anteriores, “When We All Fall Asleep, Where Do We Go?” (2019) e “Happier Than Ever” (2021) iam em caminhos diferentes, mas complementares. O primeiro era composto quase totalmente de canções dançantes, o segundo investia em números mais lentos e contemplativos. Como assuntos tratados, Billie falava sem medo sobre crescer, mudar e, a partir da fama, como lidar com superexposição, expectativas, modelos estéticos, tudo mais. E falava sobre isso sem entusiasmo, constatando, refletindo. Com as ótimas molduras sonoras construídas com o irmão, Billie conseguiu desenvolver seu ofício com muita personalidade. A voz intencionalmente sussurrada, as letras fortes, tudo isso contrasta com as ótimas melodias que complementam o resultado final.
Se estes dois trabalhos iam por lados diferentes da mesma rua, em “Hit Me Hard And Soft”, Billie se mostra capaz de dominar as duas vertentes, mostrando notável evolução como compositora e cantora. Talvez mais confiante, talvez mais bem resolvida, Billie não tem medo de experimentar e se expor. Aborda – e assume – sua sexualidade, fala sobre fazer o que tem vontade, admite ter composto canções para fazer ginástica e disse – em entrevista a um site australiano – que está muito mais disposta a se jogar no mundo, algo que, admite, nunca fez. Se antes – ela continua na entrevista – ela sofria por ansiedade e pânico diante da vida, agora, mais madura, ela tem vontade de aproveitar. E essa confiança está em todos os cantos do novo álbum, de forma evidente. Ao assumir que é seu maior ouvinte, seu maior “público”, Billie é fiel e encurta o processo criativo, tornando-o mais, digamos, natural. E o resultado é evidente, seja nos momentos mais acessíveis, seja nas travessuras que ela comete.
Algumas canções aqui são maravilhosas. “Lunch” é um pop eletrônico dançante no qual Billie assume sua preferência sexual em meio a um arranjo maravilhoso e uma letra quase explícita e corajosa. Se canções como “Chihiro” e “Birds Of A Feather” podem soar delicadas e belas, em “Skinny”, logo de cara, ela chuta os padrões estéticos para longe, dizendo que houve um tempo em que desejava apenas ser magra. E que isso não é mais nada. Em “L’Amour De Ma Vie” ela aborta uma canção lindinha que rumava para um final banal e a transforma numa faixa dançante à toda prova, feita especificamente para a pista iluminada sob o globo. Em “Bittersuite”, outro momento que engana ao se encaminhar para um pop mais convencional a princípio, Billie e Finneas mexem no andamento do arranjo e subvertem tudo, trazendo experimentalismo pop e criando praticamente uma nova canção a cada minuto de duração. Em “Blue” ela também mexe no arranjo, que, de etéreo e suspenso em vapor, muda para uma discreta bateção eletrônica em tom de despedida.
“Hit Me Hard And Soft” é um senhor disco. Tem canções próximas da perfeição, não se entrega ao jogo multimilionário das demandas financeiras e nem brinca de revolução visando mais a divulgação na mídia. Suas verdadeiras revolução são sutis, pessoais, que emancipam e reinventam a pessoa. E dá gosto de ver como uma artista tão estabelecida – vários Grammys, Oscars – se permite o risco pelo simples prazer de fazer o que quer.
Ouça primeiro: o disco todo é sensacional

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.