Big Little Lies – Sensacional é pouco

 

Dia 21 de julho foi ao ar o último episódio da segunda temporada de “Big Little Lies”, pelo canal HBO. O final dividiu os fãs da série, especialmente pela intensidade alcançada ao longo dos sete novos capítulos levados ao ar de junho pra cá, mostrando as questões em torno das integrantes do “Monterey 5” e da nova – e sensacional personagem – Mary Louise. Este é um caso de série que preenche todos os requisitos possíveis: elenco estelar, direção/produção sensacionais, trilha sonora iluminada e roteiros que se inspiram numa obra literária e que exibem maestria na adaptação para a TV. Além disso, as locações – todas no sul da Califórnia – ajudam a conferir aspectos únicos “Big Little Lies”, que – parece – chegou mesmo ao fim.

 

Vamos tentar falar dela sem dar qualquer spoiler, mas levando em conta que, como a primeira temporada foi ao ar em 2017, podemos ter alguma liberdade para abordar questões da trama. As “Monterey 5” são Renata (Laura Dern), Madeline (Reese Witherspoon), Jane (Shailene Woodley), Celeste (Nicole Kidman) e Bonnie (Zoe Kravitz). Dentre elas, apenas Jane surge como alguém que chega à cidade logo no início da trama, mas logo se ambienta e se enturma. Todas têm passados que vão se revelando, filhos da mesma idade na mesma escola e detalhes que vão unindo seus destinos pouco a pouco até que elas participam de um evento decisivo para a vida de Celeste e precisam fazer um pacto, que as acompanhará para sempre. A segunda temporada começa justo a partir deste compromisso firmado e tem foco na chegada da sogra de Celeste, Mary Louise, vivida por Meryl Streep, que, todos sabemos, é capaz de interpretar qualquer pessoa ou objeto e ser mais convincente que o original.

 

Se a primeira leva de episódios falava das situações que levam ao tal evento final e como elas vão amarrando as cinco protagonistas, nesta nova fase, temos o foco voltado para a vida depois do acontecido, com todas tentando levar suas rotinas adiante. Se o elenco original já era sensacional, Meryl Streep só contribui para torná-lo praticamente perfeito. Sua personagem surge como uma espécie de antagonista à lógica do quinteto, mas mostrando a mesma disposição para defender pontos de vista e fazer valer sua opinião quando necessário. Sua personagem vai crescendo aos poucos e fica gigantesca a partir do quarto episódio.

 

Como dissemos, “Big Little Lies” não é sensacional “apenas” por este elenco. A série é baseada no livro de Liane Moriarty. A adaptação da história foi feita por David E. Kelley e Jean-Marc Valeé, que dirigiu os sete primeiros capítulos com uma câmera digital de mão e com o conceito de deixar o elenco o mais livre possível no set de filmagem. O resultado é um ganho absurdo em planos mais realistas. Valeé, que fez muito sucesso dirigindo “Wild” (também com Reese Witherspoon”, tem uma outra característica definitiva: a inserção de sons – ambientes e musicais – nas sequências. Todas as cenas de “Big Little Lies” têm um volume maior de som ambiente e, muitas vezes, canções de soul, rock ou pop inseridas no contexto, seja numa sequência que se passa no interior de um cômodo, ou num carro – com o som ligado – ou com interferência de ruídos da natureza, geralmente, vento e ondas do mar. O efeito é sensacional e também foi aproveitado na série que Valeé dirigiu em 2018, “Sharp Objects”, igualmente sensacional e cheia desta assinatura audiovisual. Nos episódios mais recentes, Valeé atua como produtor e a direção fica por conta de Andrea Arnold, que manteve os parâmetros de filmagem intactos.

 

A trilha sonora é um caso à parte. O elenco recebeu as canções antecipadamente e isso fez com que as canções ganhassem um novo nível de importância para os personagens. A filha de Madeline, Chloe – vivida por Darby Camp – é uma aficionada por soul music, apesar de seus 10 anos de idade e seu smartphone está sempre ligado nos ambientes em que ela está. Para dar um exemplo, o gosto da menina pode variar de “Piece Of My Heart”, de Janis Joplin e “River”, de Leon Bridges. Fora elas, várias sequências surgem com intervenções marcantes de canções como “It’s Over”, de Roy Orbison; “If You Leave Me Now”, com Chicago, “Disco Inferno”, com The Trammps (que aparecem interpretando seu maior sucesso ao vivo), “Karmacoma”, com Massive Attack ou “Papa Was a Rolling Stone”, dos Temptations. Além destas, há várias covers interessantes, como “Everybody Wants to Rule the World”, com Patti Smith, “Harvest Moon”, com Cassandra Wilson ou “Haave You Ever Seen The Rain”, com Willie Nelson, mostrando que o responsável pela seleção de canções sabia exatamente o que estava fazendo. Sem esquecer de mencionar a escolha de “Cold Little Heart”, beleza de canção do inglês Michael Kiwanuka, como tema de abertura.

 

Tudo indica que a segunda temporada foi também a última. Declarações da direção da HBO dão conta de que o canal estaria de braços abertos para uma nova fase da história, mas o final destes últimos sete capítulos amarrou todas as pontas da trama e conduziu os fatos para um destino coerente e cheio de significados. Talvez fosse melhor parar quando a série está no auge e desfruta de uma admiração quase unânime de público e crítica. Saber parar é um traço indicativo de genialidade e torço para que “Big Little Lies” acerte também nisso. Barbada para premiações como Globo e Ouro e Emmy.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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