Arcade Fire busca reconexão em novo álbum

 

 

 

Arcade Fire – WE
(Arcade Fire)
40′, 10 faixas.

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

 

Publicações gringas estão tentando explicar o sexo dos anjos ao comentar “WE”, o sexto álbum dos canadenses do Arcade Fire. Isso tem um motivo: o grupo liderado por Win Butler e Regine Chassagne é um pequeno mistério estético. Teve um início bombástico com “Funeral”, lá em 2004. Deu continuidade ao som que poderia ser definido como um “indie rock de estádio” com “Neon Bible”, que chegou dois anos depois. Daí, quando parecia a hora de sacramentar seu espaço como, digamos, o Killers fez, o Arcade Fire jogou tudo pro alto e lançou seu melhor álbum até agora, “The Suburbs”, em 2010. Ali, refletindo sobre o passado e o valor das lembranças na vida presente, entre outras coisas, os caras deixaram todo mundo sem entender. Mas o disco era tão bom que todo mundo amou, só não sabia o que esperar do próximo trabalho. Sendo assim, o grupo se sentiu livre para criar o intrincado “Reflektor”, que veio em 2014, até hoje seu álbum mais complexo. E, como não poderia deixar de ser, jogou tudo para o alto novamente, quando veio com “Everything Now”, em 2017. Daí os fãs e a imprensa já estavam mais com tanta paciência e desceram o malho no disco que, convenhamos, não era exatamente perfeito. E agora, cinco anos depois? O que podemos esperar de “WE”, o sexto álbum? Bem, um pouco disso tudo.

 

Na verdade, “WE” parece uma criatura com várias procedências estéticas. Concebido na pandemia e tendo o afastamento social como um motivo e tanto para refletir sobre as relações humanas, Butler, Chassagne e o pessoal do grupo deu origem a um álbum que tem um conceito, novamente refletir sobre o presente e, dessa vez, arriscar algumas constatações sobre o que está ocorrendo no mundo. Além disso, o Arcade Fire revisita de leve os seus álbuns mais bem sucedidos, “Funeral” e “The Suburbs”, de um jeito muito sutil, ora na sonoridade, ora no conceito, às vezes em ambos. O álbum tem dois discos, com dez composições no total, que se dobram e mesclam em títulos estranhos. O primeiro “lado” tem “Age Of Anxiety” I e II, que soam como uma só canção, que vai cozinhando em fogo lento as reflexões sobre o presente e vão avançando e criando climas. Depois, no segundo lado, “End Of The Empire” I-III e IV(Sagitarius). Toda a peça fala sobre o que parece ser o fim do domínio cultural e econômico dos Estados Unidos sobre o mundo. O tom é solene, tem violões, pianos, cordas e toda a pujança que Win Butler é capaz de colocar numa canção. Aqui, no caso, em quatro pelo preço de uma.

 

O segundo disco é mais bem resolvido e parece trazer as questões do plano público para o plano pessoal. Entram em campo as considerações de Butler e Chassagne sobre suas vidas, sobre o filho que têm juntos e que criam em meio às mudanças rápidas do mundo. De fato, as canções presentes aqui – “The Lightning” I e II, lançadas como single, são muito mais eficientes sob o ponto de vista do rock pop de estádio. Os teclados são solenes e enveredam para as sonoridades que o grupo forjou lá em “Funeral” e fazem aquelas apropriações estéticas do rock oitentista que tanto caracterizaram o Arcade Fire no começo da carreira. A parte II é puro frenesi new wave revisitado, com palmas sintetizadas e levada rapidinha de bateria, ideal para pular no show. Quando chega a outra peça desta parte do disco, “UnconditionalI (Lookout Kid)”, a vida familiar do casal tem lugar e temos um monte de conselhos dados ao filho que eles têm. Funciona dentro do contexto e tem um certo charme musical de violões que vão evoluindo para um rock lento e belo.

 

A segunda parte, com o subtítulo “Race And Religion”, tem Chassagne nos vocais e uma ambiência absolutamente tributária do tecnopop oitentista, com muito sintetizador e bateria intencionalmente datada. Parece uma canção perdida do Depeche Mode, fase “Some Great Reward”. Ao longo da canção, backing vocals de ninguém menos que Peter Gabriel. Fechando o álbum, a faixa-título, que soa como um fecho dramático/épico para todo o álbum, que soa muito mais climático do que os singles lançados poderiam fazer supor.

 

“WE” não tem nenhuma “Rebellion (Lies)” ou uma “No Cars Go”, nem a profundidade de uma “The Suburbs” mas flagra uma banda tentando retomar um curso de carreira baseada no que fez em seus três primeiros álbuns. Ou, talvez, quem sabe, mais uma vez o Arcade Fire esteja jogando tudo para o alto. Precisamos ouvir mais e mais para saber.

 

Ouça primeiro: “The Lightining I e II”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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