Ainda “Selvagem?” após 34 anos

 

 

Há exatos 34 anos era lançado o disco mais importante do rock nacional dos anos 80, “Selvagem?”, dos Paralamas do Sucesso.

 

Ele é o mais importante do período porque é o menos tributário dos formatos do rock inglês da época. Ao contrário de contemporâneos como RPM, Titãs, Legião Urbana e da totalidade de bandas em atividade, os Paralamas fizeram o caminho da África, do Caribe e, sobretudo, do Brasil, tanto nas letras quanto nos arranjos e composições. Era a visão mais avançada de música então, a de que a música negra era a mais importante e pulsante do planeta. Era o tempo em que o hip-hop já era uma realidade, levando para as periferias do planeta a noção de que era possível fazer música e falar do seu lugar, uma espécie de globalização de bolso e do bem.

 

Os Paralamas compuseram as canções de “Selvagem?” a partir de sua vivência na estrada no pós-Rock In Rio I. A banda ganhou projeção nacional com as apresentações no festival e viajou o país inteiro, conhecendo a realidade nua e crua das cidades distantes do tal eixo Rio-São Paulo. Tal fato fez Herbert Vianna se ligar que a pobreza daqui era a mesma que as cidades mais remotas da Jamaica, os conjuntos habitacionais da Nigéria e os bairros negros da Inglaterra viviam. Ou seja, tudo estava interligado/conectado pela realidade e pela desigualdade. As influências de reggae, do highlife, do samba e dos ritmos do Caribe francês, holandês e inglês tornam o disco muito próximo da vanguarda criativa do período, enxergando a música negra mundial como motor de novidade, inovação e relevância.

 

Lembro de uma discussão fútil da época, que levantava a questão se “Selvagem?” era rock ou não. Ainda bem que não era, porque o rock na década de 1980 teve seu poder de carregar mensagens relevantes surrupiado pelo hip-hop. “Selvagem?” é, acima de tudo um álbum moderníssimo para seu tempo, justo por entender que havia a possibilidade de um artista brasileiro falar da atualidade do país com signos e meios de comunicação musical novíssimos e tradicionais, tudo junto, no mesmo contexto. Tal fato está nas tonalidades dub, na brincadeira de “Melô do Marinheiro”, na letra cáustica e nos riffs da faixa-título, na maravilhosa “Alagados”, cuja letra mistura favelas da Jamaica e do Rio no mesmo verso, além da porta aberta a ícones do passado recente da música nacional, Gilberto Gil que co-assina “A Novidade” e Tim Maia, autor de “Você”, que ganha adorável releitura reggae. Tudo funciona no álbum.

 

Selvagem? é um milagre musical. Depois dele os Paralamas nunca mais foram os mesmos e confirmaram o seu posto de mais importante, criativa e relevante banda surgida nos anos 80.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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