A reinvenção rock’n’roll de Nick Lowe

 

 

 

 

Nick Lowe And Los Straitjackets – Indoor Safari
38′, 12 faixas
(Yep Roc)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

 

Antes que você se pergunte quem diabos é Nick Lowe, eu te digo: ele foi um dos mais promissores aspirantes a rockstar surgido na Inglaterra dos anos 1970. Ainda que tenha começado no início daquela década, ele ficou mais conhecido como produtor do primeiro álbum punk a ser lançado em todos os tempos – “New Rose”, do The Damned, em 1976 – e dos cinco primeiros – e sensacionais – álbuns de Elvis Costello. Além disso, Nick compõs algumas das mais legais canções daquele tempo, como o hit “Cruel To Be Kind” (que ele lançou) e “(What’s So Funny Bout) Peace, Love And Understanding”, que Costello se incumbiu de fazer famosa. Mesmo que tenha iniciado a carreira na virada dos anos 1970/80 e tido bons resultados, Nick Lowe foi perdendo força e espaço para o uso de drogas e bebedeiras desenfreadas. O motivo ele revelou em várias entrevistas recentes: a tentativa de manter viva uma persona que ele não era e que jamais viria a ser, justamente, a estrela de rock, super famosa, riquíssima e tal. O resultado: Nick se reinventou nos anos 1990 como um intérprete de canções pré-rock e parecia levar sua carreira dessa forma, adorado por seus fãs e dentro de uma normalidade confortável até encontrar a sensacional banda de surf-rock americana Los Straitjackets e se ver novamente imerso num oceano de rock primordial. Dessa colaboração iluminada e luminosa chega este perfeito “Indoor Safari”, que marca o nascimento de um novo Nick Lowe, uma espécie de anti-rockstar dentro do rock.

 

A colaboração com Los Straightjackets, uma banda de Nashville que se apresenta com máscaras de luta livre mexicana, conhecida por álbuns instrumentais de surf-garage-music começou por conta de uma afinidade de gravadora. Ambos faziam parte do cast da Yep Rock e, após encontros nos estúdios e troca de ideias, resolveram começar a ensaiar juntos. Lowe vinha de vinte anos mais como um crooner pop sessentista do que qualquer outra coisa e o contato com a música dos Straitjackets parece ter reacendido nele o desejo de voltar ao idioma rock, mas sem qualquer sombra de punk ou outra estética surgida após a chegada dos Beatles. Ou seja, Nick e a banda passaram a ensaiar standards do início dos anos 1960 e não tardou para lançarem alguns EPs com composições inéditas surgidas desses encontros. Eram algumas gravações ao vivo, algumas versões e mais indicações de que havia acontecido algo desse encontro. A chegada de “Indoor Safari” é a coroação desta versão pré-Beatles da carreira de Nick Lowe e, a julgar pela felicidade dele e da banda, nada poderia ser mais legal.

 

O que é admirável em “Indoor Safari” é a absoluta perfeição das composições. Todas elas são novas, concebidas nos últimos cinco anos e soam como se fossem standards obscuros e redescobertos do rock primordial. O jeito de Lowe cantar e dos Straitjackets de acompanhar e arranjar tem doçura e ímpeto ao mesmo tempo, soando como gênios da ordem de Eddie Cochran ou Buddy Holly. Os arranjos são simples, econômicos e jogam totalmente a favor da melodia. Os guitarristas Eddie Angel e Greg Townson triangulam solos rapidíssimos e oferecem base sólida para essas canções brilharem de uma forma especial e adorável. Em alguns momentos, a poesia de Nick, que sempre esteve presente em sua carreira, faz com que ele assuma a posição de um contador de histórias de muito tempo atrás, trazendo causos de amor e desilusão que soam atemporais e conectam com quase qualquer tipo de audiência. Sendo assim, você nem precisa saber muito a respeito de Nick ou da banda para se apaixonar pela poesia simples e afetuosa que ele coloca nessas canções.

 

“Crying Inside”, por exemplo, é uma lindeza com violões acústicos que lembram um pouco a base de “Summertime Blues”, de Eddie Cochran, mas que derivam para uma história de amor não correspondido. “Jet Pac Boomerang” é linda, cheia de fofuras melódicas que lembram um inconsciente rock inteiro, algo que projeta o ouvinte para outros lugares e situações sem abrir mão da excelência melódica e de um arranjo de almanaque. Ao final, uma citação discretíssima de “Please, Please Me”, dos Beatles, que faz toda diferença. Outro clássico citado com elegância de forma mais enfática é “Up On The Roof”, cujo riff de guitarra do arranjo original (dos Drifters, de 1961) é usado em “Don’t Be Nice To Me”. Em “Tokyo Bay”, Lowe conta a história de um sujeito que largou tudo, deixou um bilhete e se mandou para o Japão, para viver com gueixas e indo à praia. É um rock’n’roll explosivo e incandescente, enquanto “Different Kind Of Blue” e “Raincoat In The River” mostram que o combo consegue imprimir sentimento em doces baladas de amor.

 

“Indoor Safari” é um milagre. Tenho que agradecer ao amigo Fabiano Maciel, fã de música e diretor de primeira categoria, por ter me mostrado o disco há alguns dias. É uma das mais sensacionais realizações deste 2024, sem qualquer dúvida.

 

 

Ouça primeiro: tudo.

 

 

Em tempo: no perfil dos Los Straitjackets no Spotify há todas as composições que eles e Nick Lowe escreveram. Algumas não entraram em “Indoor Safari”, e são dignas de conhecimento. Além delas, há várias canções, covers e álbuns maravilhosos esperando por você.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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