Nirvana envelheceu mal?

 

Há algum tempo – nem tanto assim – bati um papo com Arthur Dapieve sobre o lançamento de seu novo livro, “Do Rock Ao Clássico” (você pode ver aqui) e, ao perguntá-lo sobre alguns nomes da música pop, pedindo sua opinião, inclui o Nirvana. Arthur olhou pra mim, fez uma cara de certo desdém e disse: “acho que o Nirvana envelheceu mal. Não me pego ouvindo mais os discos, acho que alguma coisa ali se perdeu”. Entendi exatamente o que ele quis dizer e concordei, pensando na minha própria experiência com a audição dos discos. Algo da magia inicial da banda não conseguiu passar pelo tempo e acho que este é um bom tema pra debater sobre. E então? Pra você, o Nirvana envelheceu mal?

 

Uma olhada pro pessoal que surgiu na Seattle da virada das décadas de 1980/90 – e mesmo pra quem já existia, como o Soundgarden – aponta que o trio de Cobain, Novoselic e (depois) Grohl, fazia algo musicalmente distinto. O Nirvana tinha uma capacidade rara de ser pop. De misturar ganchos melódicos, harmonias assobiáveis e certa leveza de cantar junto nas suas composições. Mesmo que o tema fosse dos mais terríveis (como relacionamentos doentios, por exemplo, em “Milk It”) havia a possibilidade de juntar um coro de vozes num show dado em algum buraco qualquer. Isso, repito, é raro. Se olharmos as composições dos conterrâneos de Soundagarden, Alice In Chains, Pearl Jam e outros, veremos que a taxa de popismo em suas obras, levando em conta os anos de existência em relação ao Nirvana, será mais baixo. Ou seja, até 1994, ano do fim do trio, estas bandas não haviam produzido tantas canções memorizáveis/memoráveis assim. Kurt Cobain era, de fato, além de uma figura ímpar na cena de sua cidade – e de seu tempo – um cara com talento para escrever canções. Mesmo que “In Utero” já mostrasse que esta tendência poderia mudar, diante da quantidade de canções furiosas que continha.

 

Se olharmos os três discos de inéditas da banda, mais a coletânea “Incesticide” e o “MTV Unplugged”, esta média se mantém. Em canções como “Sliver”, “Come As You Are”, “Serve The Servants”, “Polly” e a versão de “The Man Who Sold The World”, uma de cada álbum mencionado, vemos que a capacidade musical dos caras era diversa e se sustentava ao longo da carreira e, além disso, havia uma evolução. Talvez o Nirvana de 1989 não conseguisse verter Bowie com tanta maestria, num arranjo tão inspirado, como o Nirvana de 1993/4 conseguiu. Por outro lado, uma audição mais atenta dos discos ao vivo – que surgiram ao longo dos anos como lançamentos oficiais do grupo – mostram que, de fato, Kurt já estava com o saco muito cheio daquilo tudo. De performer visceral e intenso, ele se transformara num sujeito que ia se descolando da banda. Tal impressão se confirma com se ouvirmos com atenção o novo “Live & Loud”, que saiu em versão simples há poucos dias (já havia saído como bônus na edição comemorativa de 20 anos de “In Utero”, em 2013) e traz a banda numa apresentação num armazém do Porto de Seattle, realizada em dezembro de 1993. Detalhe: cerca de um mês depois da filmagem do MTV Unplugged.

 

Apesar de alguns considerarem o melhor show da banda, acho difícil concordar com isso. Só pra ficarmos nos lançamentos oficiais, “Live At Paramount”, trazendo Kurt e cia em outubro de 1991, mostra uma banda muito mais coesa e com disposição para sair quebrando tudo. Porque era disso que o Nirvana tratava. Por mais que houvesse lirismo e beleza inéditos em seu final, a chama da contestação e da angústia era o que movia Kurt como compositor e cantor. Ele era o sujeito que via, diante de seus próprios olhos, a possibilidade de se transformar em tudo o que mais odiava: um cara rico, sem possibilidades, movido por algo que não fosse sincero e que se comunicasse com suas impressões do mundo. E a tal “In Utero Tour”, da qual “Live & Loud” foi pescado, era a confirmação mundial desse status de superbanda que o Nirvana havia atingido. O show foi gravado pela MTV, assim como o Unplugged, exibido em partes no dia 01 de janeiro de 1994.

 

Se Kurt tivesse sobrevivido a esta superexposição, talvez o grupo ainda tivesse lançado alguns discos, mas imagino que ele deixaria a banda assim que possível. Quem sabe, depois de alguns anos, voltaria fazendo álbuns totalmente diferentes? Não dá mesmo para saber, mas o que temos de real no pós-Nirvana? Kris Novoselic saindo de cena para viver algumas aventuras efêmeras no underground e Dave Grohl fazendo seu movimento mais esperto, formando o Foo Fighters pouco mais de um ano depois e se tornando um dos mais vitoriosos músicos dentro do rock. Sua banda começou alternativa, com discos interessantes, mas, em favor de uma fórmula de canção “pesada” e “melódica” ao mesmo tempo, bem ao sabor de mestres como Bob Mould e Frank Black, Grohl foi fazendo trabalhos mais vazios, transformando o Foo Fighters numa banda previsível e sem graça com o passar do tempo. Hoje em dia, não há nada mais fácil do que prever como será um novo disco do grupo.

 

Talvez essa mudança de rumos tenha a ver com o que se tornou o legado do Nirvana. Kurt, de fato, era o motor de tudo aquilo. Seu silêncio deixou muda também a própria banda. Nada parecido foi feito depois e os discos póstumos – coletâneas e ao vivo – só reforçaram isso. Por outro lado, o rock alternativo evoluiu ao longo deste tempo. Na virada do milênio, por exemplo, os caminhos apontavam para o lado em que estavam Strokes e White Stripes ou para onde estavam Radiohead e seus filhotes, com o Oasis correndo por fora, tentando se reestruturar após os três primeiros discos. A título de arqueologia musical, é bom lembrar: quando o Nirvana estava chegando ao fim, o Oasis estava lançando seu primeiro disco. Além disso, tivemos a música eletrônica da década de 1990, fortíssima e cheia de artistas muito legais.

 

Depois de tudo isso, ainda tivemos renascimento do folk alternativo, seja com bandas como Fleet Foxes e My Morning Jacket como artistas mais introspectivos, tipo Devendra Banhart. E os experimentos psicodélicos de gente contemporânea de Kurt e cia, como Flaming Lips, que acharam seu som definitivo apenas na virada do milênio. Isso sem falar em gente como Killers, Keane, Mumford And Sons, bandas que dominaram paradas de sucesso em espaços de tempo longos ou mais curtos. Como se posicionaria Kurt diante disso tudo? Acho que ele seria como um John Lennon repaginado, só que mais tímido e introvertido, vá saber.

 

Com tanto tempo transcorrido e tanta coisa acontecendo, natural pensar que o Nirvana “envelheceu mal”. Seu som ficou datado, preso ao espaço de tempo curto em que existiu. Na verdade, “envelhecer mal” é, uma expressão que indica percepção com base no tempo em que é feita. As sonoridades dos anos 1980, já “envelheceram mal” para muita gente e se transformaram em inspiração para hordas de bandas que fazem discos hoje. O Abba, os Carpenters, os Beatles, todos, em algum momento, já “envelheceram mal”. Acho que esta expressão é, com mais precisão, indicativa de que um artista e sua arte têm seu lugar no tempo e que isso é certo. E que nada está fadado a ser a mesma coisa sempre. Em algum momento, novas nuances serão percebidas e reveladas. É assim que funciona.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

2 thoughts on “Nirvana envelheceu mal?

  • 11 de setembro de 2019 em 22:16
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    Engraçado, eu não tenho essa mesma impressão do Mascis ou do Dino Jr.

    Abraço, meu caro!

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  • 10 de setembro de 2019 em 17:55
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    Fala, CEL! Quando eu sinto isso eu vejo aquele video do J Mascis tocando School no secret show depois do RnR Hall of Fame.

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