Madchester desacelerada no novo de Andy Bell

 

 

 

 

Andy Bell – Pinball Wanderer
37′, 8 faixas
(Sonic Cathedral)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

 

Disco bom é disco surpreendente. É um mantra que acabei de inventar, que não comprovei, mas que veio à mente depois de ouvir este terceiro álbum solo de Andy Bell, “Pinball Wanderer”. Antes de tudo, favor não confundi-lo com o vocalista do Erasure, e lembrar de uma das melhores bandas britânicas do início dos anos 1990, Ride. Diretamente de Oxford, o Ride surgiu como interseção quase perfeita entre os ecos da sonoridade de Madchester, cunhada por Stone Roses e Happy Mondays, e o shoegaze de gente como My Bloody Valentine e símiles. Como quase todas as formações legais deste período, entre o início da década de 1990 e o britpop, o Ride teve mais sucesso local e entre ouvintes mais dedicados, não chegando a furar a barreira do “quase cult” em muitos lugares do mundo, incluindo o nosso glorioso brasilzão. Bell só foi chegar a uma audiência maior quando assumiu o baixo do Oasis a partir do quarto álbum, “Standing In The Shoulder Of Giants”, lançado em 2000 e que marcou a segunda fase da banda dos Gallagher. Com presença confirmada na turnê de retorno do Oasis, Bell tem tempo para exercer sua musicalidade de um jeito bem mais pessoal e sensacional. É disso que “Pinball Wanderer” trata.

 

A ideia aqui é revisitar essa sonoridade de 35 anos atrás e mexer nela, mudá-la, se reapropriar. Em alguns momentos, as oito faixas do álbum trazem uma versão mais lenta e afrouxada das maravilhosas criações rítmicas do Stone Roses, responsáveis por baticuns sensacionais em canções épicas como “Fools Gold”, por exemplo. Ou dos Happy Mondays em “Step On”. Os exemplos são vários e Bell sabe muito bem o que está fazendo, a ponto de fazer esse projeto de cozinha intrincada e acelerada, soar novo e fresco em vários momentos de “Pinball”. Em outras faixas, ele se permite brincar de fazer krautrock com grandes passagens instrumentais e hipnóticas, repetindo e relendo mandamentos de bandas como Neu! (Michael Rother, da banda alemã, participa na ótima “I’m In Love…). Ou seja, Bell se permite ser o anti-baixista do Oasis, se reconectando com suas personas sonoras primordiais e mais doidonas. A gente agradece.

 

O mais bacana de “Pinball Wanderer” é essa despretensão. É um “disco pequeno”, que parece feito para Andy tocar pros amigos mais próximos e até que essa imagem não deve estar totalmente equivocada. O escopo deste disco é anti-comercial em sua essência, mas, justo por isso, por se destinar a uma audiência reduzida, porém totalmente informada, deveverá ter uma porcentagem altíssima de relevância e acerto entre os ouvintes. A quantidade de ótimos momentos é muito grande. Logo de cara, na abertura com “Panic Attack”, ele oferece uma levada próxima do krautrock, mas modifica o que seria esperado com vocais que parecem vir de outro plano. As guitarras pontuam a melodia e uma bateria extremamente convencional marca o ritmo. O efeito desses sons devidamente mixados e colocados no mesmo espectro é sensacional. A faixa seguinte, “I’m In Love…” já puxa a brasa para a sardinha do guitar rock em câmera lenta que tem origem no início dos anos 1990, mesmo que a já mencionada participação de Michael Rother, do Neu!, se dê aqui e não num dos arranjos mais voltados para o krautrock. Além dele, a cantora Dot Allison também ajuda a dar uma atmosfera de shoegaze nessa canção desencarnada.

 

Bell fez duas canções com menos de dois minutos de duração. “Madder Lake Deep” é quase um exemplar da fusão hipotética entre shoegaze e easy listening, bela, misteriosa e fluida. A outra é “The Notes You Never Hear”, eletrônica vintage e vocais estranhos a tornam quase inclassificável. O grande momento do álbum é, sem dúvida, “Apple Green UFO”, com seus mais de oito minutos de duração e sua pinta de laboratório de testes para diferentes abordagens do diálogo baixo/bateria/guitarra do Stone Roses em novas e novíssimas formas. É maravilhosa, perfeita e totalmente inserida na proposta que Bell deseja levar adiante. Essa mesma experimentação ocorre na faixa-título, que é instrumental e aproveita essas várias possibilidades. A fusão com o kraut rock também aparece em “Music Concrete” e pavimenta o caminho trilhado na ótima faixa de encerramento, “Space Station Mantra”, quase um réquiem para essas influências que mencionamos aqui, devidamente imersas num tanque de psicodelia.

 

Andy Bell é um músico importantíssimo e com um trabalho autoral maravilhoso. Merece ser (re)descoberto pelos fãs de psicodelia e de rock britânico. O cara é como uma testemunha ocular e ativa da história. Ouçam esse álbum e comprovem.

 

Ouça primeiro: “Space Station Mantra”, “Apple Green UFO”, “Pinball Wanderer”, “Panic Attack”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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