Aquela que não é mãe, aquela que é inteira
Arrepio na nuca. Amores têm dessas, abrem as comportas das nossas águas mais intensas e nos inundam com um mar de sentimentos imprevisíveis, físicos, sensoriais, secretos, compartilhados. Nos fazem perder o medo do exagero quando se vê no olhar e na palavra do outro.
O meu primeiro encontro com o livro “Aquela que não é mãe”, da escritora e roteirista Jaqueline Vargas (editora Buzz) na livraria de um shopping tornou verdadeira a introdução desse texto. Eu só fui compra-lo depois de algumas semanas e dias em que ele tomou conta do meu pensamento, da minha curiosidade e da certeza de que a escrita da Jaqueline poderia ser a minha e de tantas mulheres que pelas mais diferentes razões não vivem a história que a sociedade com insistência vê como certa para todas nós.
“Sem um filho somos um corpo pela metade?”
Os poemas que compõem o livro dividem-se por três fases da vida da Jaqueline, aquela que queria ser mãe, aquela que é filha e aquela que não é mãe e foram escritos em tempos diferentes, em momentos aleatórios, mas que chamaram a atenção da autora pela insistência do tema, afinal mesmo como somos filhas, esperam-nos mães.
“Enquanto não for mãe serei eternamente filha?”
Do desejo à memória, Jaqueline chega ao cansaço depois dos inúmeros tratamentos, tentativas e reflete sobre o poder da maternidade e também da não maternidade. Ela estende a própria experiência ao nosso olhar para que juntas questionemos se temos mesmo o tamanho que a sociedade tenta impor àquelas que não procriaram.
Um perfil que sigo no Instagram postou nos stories no dia das mães uma mensagem de solidariedade às mulheres que enfrentam e enfrentaram diferentes batalhas relacionadas à maternidade, e eu imaginei quantas devem ter se sentido acolhidas por um gesto tão singelo e honesto, talvez de jeitos completamente diferentes ou iguais de como eu me senti ao ver o livro da Jaqueline pela primeira vez.
De qualquer forma precisamos reconhecer que ser uma mulher de amores e existências inteiras é algo que pode ter infinitos significados e razões, ainda que vivamos em um contexto de olhos que insistem em nos ver pela metade quando um filho não nos chega. Isso é terrivelmente cruel.
Com Aquela que não é mãe, Jaqueline Vargas nos abraça e lembra que somos muitas e não estamos sozinhas.
Nenhuma de nós precisa estar.
“Somos maternas.
Somos paternas.
Somos fraternas.
Somos sororas
Somos tudo.
Somos nada.
Somos escolha.
Não somos função.
Ser mãe é escolha”

Beatlemaniaca, viciada em canetas Stabillo e post-it é professora pra viver e escreve pra não enlouquecer. Desde pequena movida a livros,filmes e música,devota fiel da palavras. Se antes tinha vergonha das próprias ideias hoje não se limita,se espalha, se expressa.