“Boys Don’t Cry”, da Anitta, é sensacional

 

Sim, estou um pouco atrasado para me manifestar sobre a nova canção da Anitta. “Boys Don’t Cry”, seu novo single, cantado em inglês, num arranjo pop rock oitentista, é sensacional. Talvez seja curta demais – cerca de dois minutos e meio de duração apenas – mas é um espécime com DNA confirmado dentro da tradição de ótimas canções grudentas e perfeitas para se decorar a letra em pouco tempo. Se você ouvir, cuidado: ela não vai sair da sua cabeça e a ideia por trás da empreitada é exatamente essa. Anitta fazendo pop rock padrão 2022, arrebentando. Lembro de ver gente postando em rede social ainda ontem – ou anteontem – que a única “Boys Don’t Cry” que importa é o hit do The Cure da virada da década de 1970/80. Tudo bem, esta canção – também curtinha – já se tornou um clássico e fala docinho para os velhuscos que estão já em plena meia idade e, por terem perdido o bonde ou esquecido o sentido do rock ou do pop, fecharam os ouvidos para o que não entendem ou conhecem.

 

Anitta padece deste preconceito desde que lançou seu primeiro hit, “Show das Poderosas”, há mais de dez anos. A origem humilde, a proximidade com o funk das comunidades, o fato de ser mulher e independente desde cedo, tudo isso junto significa afrontar a sociedade branca e machista brasileira intensamente. Mas ela seguiu firme, lançando mais discos, mais singles, até chegar em “Boys Don’t Cry”. Vendo o ótimo clipe, que ela co-dirigiu, cheio de referências a filmes como “Beetlejuice” e “Titanic”, fico pensando como é possível não achá-lo bacana. Ele é bem produzido, tem padrões técnicos internacionais e catapultou Anitta nos Estados Unidos o suficiente para colocá-la no programa do Jimmy Fallon, sem mencionar que a menina está escalada para tocar no Coachella em abril. Convenhamos, não é pouco, certo?

 

As pessoas precisam aceitar que Anitta já é uma estrela de nível mundial. Se fosse inglesa ou americana, ela já estaria no topo de todas as paradas continentais. Por ser brasileira e ainda ter um “exotismo” acentuado, seu trabalho ainda apresenta características que não descem facilmente na goela do público mais careta. Por exemplo, uma canção recente dela, “Girl From Rio”, na qual aparecia emulando dedilhados de violão bossanovista, num clipe em que dava uns amassos no Piscinão de Ramos, no Rio, pode ser demais para, sei lá, o público de Ohio ou de Leicester. Mas “Boys Don’t Cry” não é. E ela sabe disso.

 

Pode ser o primeiro passo de Anitta rumo a um posto que nenhum artista brasileiro alcançou no mundo globalizado e veja que esta palavra está aqui para evitar que alguém venha lembrar de Tom Jobim cantando com Frank Sinatra ou algo no gênero. Sem desmerecer o nosso maestro, para fazer o sucesso avassalador, alienante e massivo de hoje, é preciso muito, muito esforço e muita persistência. Bem, Anitta está nessa há mais de uma decada e ainda é uma menina, inteligente, bonita, sexy, espontânea, talentosa.

 

Alguns hão de dizer que “Boys Don’t Cry” é pop aguado, banal. Não estarão totalmente erradas, mas, por outro lado, o que faz a juventude planetária se mover hoje em dia? Exatamente esse tipo de canção. E se, ao caçarem no Youtube a pessoa responsável por ela, os curiosos derem de cara com a mulher decidida, bem humorada e segura que concedeu a entrevista a Jimmy Fallon? Sim, é inevitável admirá-la.

 

Anitta já é realidade e seu sucesso segue incomodando muita gente. Ela sabe e não se importa. Como não admirá-la?

 

 

 

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

3 thoughts on ““Boys Don’t Cry”, da Anitta, é sensacional

  • 2 de fevereiro de 2022 em 15:57
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    É exatamente isso, Alexandre. Obrigado por seu comentário!

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  • 2 de fevereiro de 2022 em 11:23
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    Que maravilha de matéria! A análise é exatamente essa. A gente entende que quem teve Tom Jobim, Vinícius, Chico, Caetano e Gil, fora as intérpretes espetaculares da MPB, não consegue digerir muito bem Anitta. Ainda tem o preconceito com o funk. Mas a gente entende também, que o tempo passou, a globalização chegou, os valores mudaram, nossos ídolos envelheceram e suas canções, seus ritmos, sua linguagem, não traduzem os anseios das novas gerações. Anitta é uma agenda positiva do Brasil na gringa. Vai estourar como uma super star global a qualquer momento, pq ela trabalha para isso. Está investindo, em sua carreira nos EUA, no pop-rock, na linha Dua Lipa. É linda, gostosa, tem uma voz bonita, e não para de fazer clipes, feats, novas músicas. Suas redes sociais, seu canal no YouTube, são seguidos por milhões de pessoas. É uma fórmula perfeita para conseguir sucesso. E não deixa a desejar para nenhuma dessas novas super star mundiais. Precisamos perder essa síndrome de vira-latismo, se orgulhar de termos um produto nacional começando a bombar pelo mundo afora. Tem muito brasileiro que só vai respeitar Anitta quando Caetano Veloso mandar. Não querem parecer medíocres em seu meio social.

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    • 15 de fevereiro de 2022 em 11:50
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      “A origem humilde, a proximidade com o funk das comunidades, o fato de ser mulher e independente desde cedo, tudo isso junto significa afrontar a sociedade branca e machista brasileira intensamente.”

      Traduzindo: se não gostar da Anitta, é preconceituoso. E não porque, talvez a música dela seja descartável, como muitas que fazem sucesso globalmente, mas ainda assim, descartável.

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