“The Gorge”: Bobinho mas com estilo e eficiência
Não adianta: por mais que a gente aprenda a ver filmes com senso crítico, maratonar as obras dos grandes mestres, entender os significados e se deleitar com roteiros perfeitos, sempre haverá espaço para produções que não atendem a nenhum desses requisitos, mas que se comunicam com o nosso adolescente interior. Essa é, claramente, a situação em que se encontra “The Gorge” (“Entre Montanhas” em português), que está disponível com destaque na TV Maçã. Com um elenco curtinho, porém composto apenas por estrelas – Anya Taylor-Joy, Miles Teller e Sigourney Weaver – o longa é irresistível para quem gosta de aventuras com ação, terror e um pingo de sci-fi. A direção é de Scott Derrickson, que assinou filmes como “Exorcismo de Emily Rose”, “Doutor Estranho” e “O Telefone Preto”, ou seja, um entusiasta desta fronteira entre o terror como gênero que aceita se mesclar com outras influências. No caso de “The Gorge”, este mix funciona bem para públicos que não estão esperando a chegada do messias em forma de filme.
A história é boa: Levi (Teller) e Drasa (Joy) são dois vigias postados em torres que guardam um desfiladeiro misterioso em um lugar ultrassecreto, que eles mesmos não têm referência exata de onde seja. Levi é ex-fuzileiro naval, atormentado e arrependido, convocado por uma misteriosa agente, interpretada por Weaver, que lhe dá a missão sem explicações. Drasa é lituana, trabalha como operativo do Kremlin e, quando Levi chega para tomar sua posição numa das vigias do desfiladeiro, ela já está do outro lado. Quando ele chega ao posto, rende um militar britânico, que lhe explica alguns poucos detalhes, mostrando que, ao contrário do que parece, ele não está ali para defender a posição de uma invasão externa, mas para evitar que algo saia do desfiladeiro. Aos poucos, à medida que ele vai investigando o ambiente da torre em que se encontra, descobre que o lugar data dos anos 1940 e que, anualmente, oficiais britânicos e americanos se revezam naquele posto. Logo deduzimos que Drasa está em posição semelhante do outro lado do desfiladeiro, confirmando que a antiga União Soviética também faz parte deste pacto de vigia em torno do lugar.
“The Gorge” não faz questão de evitar alguns clichês. Claro que os dois agentes acabam se comunicando – algo que é totalmente proibido – e se apaixonando. Há algumas tiradas inteligentes do roteiro, que brinca com papéis importantes dos atores. Por exemplo, Drasa e Levi jogam xadrez à distância, numa alusão a “O Gambito da Rainha”, que revelou Anya. Também ouvem música e tocam em sets de bateria improvisados, aludindo a “Whiplash”, longa no qual Teller fazia um estudante de jazz atormentado por um professor durão. Enquanto o mistério sobre o que há no desfiladeiro se mantém, o filme funciona bem e deixa o espectador muito curioso sobre o que pode ter acontecido ali. Até que, numa mudança clara de ritmo, o filme muda quando os dois agentes se veem às voltas com um terrível segredo militar, perigosíssimo e oculto da opinião pública após mais de setenta anos. A partir daí, o longa adentra o território do terror, ainda funcionando relativamente bem, apesar de algumas tiradas inaceitáveis do roteiro. O desfecho é previsível, mas a ambientação e o desempenho dos atores dá conta do recado.
Com trilha sonora bacana de Trent Reznor e Atticus Ross, “The Gorge” ainda tem espaço para citações musicais bacanas, como usar “Hey Ho, Let’s Go”, dos Ramones numa sequência bacaninha, ou empregar muito bem o hit “Spitting On The Edge Of The World”, dos americanos com Yeah Yeah Yeahs, com participação de Perfume Genius, numa cena bonita de amor. Na verdade, o uso da ambientação da Guerra Fria e dos segredos militares do fim da Segunda Guerra Mundial, dão um revestimento classudo ao longa e isso faz diferença nessas horas.
“The Gorge” não vai mudar o mundo, nem quer, mas vai garantir duas horas de bom entretenimento. Veja sem qualquer compromisso.

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.