Steven Wilson é o nosso Progfather

 

 

 

 

Steven Wilson – The Overview
42′, 12 faixas
(Fiction)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

O que bandas como Genesis, Yes, Jethro Tull, King Crimson, Marillion, Rush, Tangerine Dream e Gentle Giant têm em comum? Além da inserção na caixinha do Rock Progressivo dentro do Grande Organograma do Rock do Século 20, estas formações, clássicas, cada uma a seu jeito, têm vários relançamentos de seus álbuns remixados e repensados por Steven Wilson. Em breve o Pink Floyd se juntará a este time, visto que Steven remixou o som de “Pink Floyd at Pompeii – MCMLXXII”, que chega aos cinemas em breve. Não bastasse tudo isso, o músico inglês teve seu próprio momento de importância dentro da reorganização do progressivo a partir dos anos 1990, um tempo em que o rock parecia com tudo, menos com grandes e climáticas canções cheias de solos e histórias fantasiosas. A bordo de sua banda Porcupine Tree, Wilson lançou ótimos discos, até ingressar numa carreira solo que, de uns cinco anos para cá, o colocou na ponta de lança do estilo e da própria importância do termo “progressivo” dentro do rock. Seja misturado com outras vertentes – synthpop, eletrônica – seja na sua forma mais “pura”, seja em álbuns mais tributários da linguagem clássica do “prog”, Wilson é o cara. Este novíssimo trabalho, “The Overview”, tem tudo o que fez e faz a delícia de músicos e fãs: conceito fechado e atual sobre viagens espaciais, instrumental “de verdade”, com músicos tocando e duas longas suítes, uma de “cada lado”, com várias peças interligadas. Senão vejamos.

 

Há vários detalhes bacanas contidos em “The Overview”. O título vem do efeito que os astronautas experimentam após algum tempo fora da Terra, uma espécie de “tomada de consciência” da nossa vulnerabilidade e insignificância dentro do cosmos, bem como uma visão total e completa de “todos nós” num só plano. Ou seja, é como se esta experiência, reveladora apenas do ponto de vista espacial, fosse necessária dentro da extensa lista de absurdos ignorantes que têm marcado a nossa sociedade. Wilson assume esta perspectiva de um astronauta e disserta sobre várias situações decorrentes de uma forma de pensamento que se torna mais evoluída a partir desta revelação. Além de tudo isso, “The Overview” é um disco extremamente consciente de que não há qualquer necessidade de hermetismos estéticos, pelo contrário. Ainda que utilize de um formato “retrô”, de duas grandes suítes sonoras, ele tem pegada pop e muitos elementos que irão agradar a fãs de bandas não totalmente identificadas como “progressivas”, como Elbow, Doves e similares, mas com uma pegada mais potente e interessante.

 

Junto a Steven está uma banda muito afiada, formada pelo tecladista Adam Holzman, o guitarrista Randy McStine e o baterista Craig Blundell. Como curiosidade bacana, há a presença do líder do XTC, Andy Partridge, que compôs várias letras do álbum e, ao mesmo tempo, realizou o sonho do ex-adolescente Steven Wilson de conhecer um de seus heróis iniciais do gosto pelo rock (Wilson também remixou vários discos do XTC em relançamentos). Partridge contribui, sobretudo, na confecção de situações cotidianas, que entrarão em choque com as perspectivas mais elevadas, das vastidões cósmicas contempladas pela presença prolongada no espaço. Forma-se uma conexão que amplia, em vez de diminuir, ressaltando a importância dos indivíduos nos versos. Além de tudo isso, a produção é enxuta e valoriza os timbres e informações “clássicas” do progressivo ao longo tempo – solos de guitarra majestosos que ganham o espectro sonoro, andamentos de bateria que se cruzam e alteram e a voz de Wilson, entre a ciência e a vulnerabilidade, guiando o ouvinte. Ainda que seja um disco totalmente do nosso tempo, em alguns momentos – e de forma bem sutil – a sonoridade se aproxima da ambient music e de timbres eletrônicos setentistas, evocando a era otimista da exploração espacial daqueles tempos, mas carregando uma melancolia moderna sobre o impacto da humanidade na Terra.

 

Andy Partridge colabora na primeira suíte, intitulada “Objects Outlive Us”. Em meio a um turbilhão de violões, piano e sintetizador modular sobre um ritmo constante de 12/8, Partridge emprega rimas talvez simplistas, mas evoca imagens consistentemente marcantes: mantimentos de uma sacola plástica quebrada de uma mulher caindo no chão “como aglomerados de estrelas se espatifando” e, em outro momento, uma pane em um banco causada pelo fato de que “uma erupção solar apagou a energia”. Da abertura com “No Monkey’s Paw” para o coral à la Queen de “The Buddha Of The Modern Age”, a música é referencial e tem até citação de “Space Oddity” na boa “The Cicerones”. É uma primeira parte “da primeira parte”, pois, a partir daí, os parâmetros mais clássicos do progressivo tomam conta, com destaque para “Ark” e “Cosmic Sons Of Toil”. No fim desse “primeiro lado”, a música reagrupa e volta ao início, citando a canção de abertura na majestosa e atmosférica “No Ghost On The Moor”, onde Randy McStine faz um belo solo à la David Gilmour.

 

A segunda suíte, intitulada “The Overview”, é mais linear e tem ótimas composições em seus dezoito minutos. A esposa de Steven, Rotem, participa com sua voz desencarnada recitando nomes de corpos celestes ao longo das canções. E tome influência de Pink Floyd em “Perspective” e “A Beautiful Infinity I and II” explorando paisagens sonoras que lembram “On The Run” e “The Dark Side Of The Moon”. A lindeza vem na ótima “Infinity Measured”, que tem bateria frenética, andamento sensacional e uma melodia que caminha para a beira do abismo, que pode estar contida em outro lindo solo de guitarra de McStine.

 

“The Overview” é a esperança de uma música que tenha significado, apuro e relevância, feita com calma e ressonância, tanto para quem ouve, quanto para quem toca e cria. Steven Wilson é talentoso o bastante para, ao mesmo tempo, usar referências clássicas e inovações atuais para manter vivo e saudável o progressivo. Ouça com carinho.

 

Ouça primeiro: tudo.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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