Seu Jorge abraça o axé de plástico em novo álbum

 

 

 

 

Seu Jorge – Baile à la Baiana
42′, 11 faixas
(Independente)

1.5 out of 5 stars (1,5 / 5)

 

 

 

 

O prestígio de Seu Jorge no campo musical é um dos mais intrigantes mistérios da mídia contemporânea. Não que ele seja um cara sem qualquer talento, mas por tê-lo conquistado com base em duas atrocidades sonoras: o álbum “The Life Aquatic Sessions”, no qual ele gravou versões imperdoáveis de canções de David Bowie vertendo-as para um português pra lá de tatibitati e o dueto “Ana e Jorge”, com Ana Carolina, no qual, sob o pretexto de interpretar um repertório “classudo” e “original”, ele se torna parceiro da cantora mineira na destruição contumaz de várias canções, entre elas, “The Blower’s Daughter”, do irlandês Damien Rice, que se mutou em “É Isso Aí”, certamente um dos maiores crimes sonoros que se tem notícia na música brasileira. O que é mais intrigante é que Seu Jorge tem a manha. Seu início com o Farofa Carioca é brilhante, promissor, revelando um intérprete de carisma e voz grave marcante. Dá pra dizer que o álbum de estreia do Farofa ainda é o seu melhor trabalho na carreira, com menção simpática a canções posteriores, como “Carolina”, “Burguesinha” e “Mina do Condomínio”, gravadas em diferentes momentos de sua trajetória, que conseguem – mesmo pasteurizadas em excesso – legitimar algo da linhagem samba-funk que Jorge se arvorou a envergar por aí. Mas é pouco, bem pouco. Agora, quase dez anos depois de lançar seu último trabalho, o hediondo “Músicas para Churrasco vol.2”, ele vem com esse “Baile à la Baiana” que, segundo o release, pretende fazer uma ponte estética entre o “funk” e o “axé”. Era só o que faltava, né?

 

A ideia nesta empreitada é manter a imagem de Seu Jorge como um cantor/persona identificado diretamente com a leveza e a alegria de ser brasileiro, mais precisamente, carioca. Isso significa dizer que ele é um facilitador/divulgador de festas, agitos, bailes. Sua existência, pelo menos nesse álbum, se limita a este espaço e função, ou seja, ele avisa a galera do baile, chama todo mundo e celebra a alegria de dançar e estar feliz. E só. Claro que a gente não espera ouvir letras existenciais num álbum deste tipo e também já presenciamos artefatos sonoros ainda mais reducionistas, mas, como Jorge é um cara com um público que transita num universo de classe média-alta, era de se esperar algo mais. Porém, as faixas deste novo trabalho só trazem isso. Jorge falha, por exemplo, em apresentar alguma sonoridade mais original, alguma mistura entre os dois gêneros enfocados – funk e axé. O que temos são dois lados distintos, com o agravante das representantes do ritmo baiano serem regravações. E tudo com uma sonoridade plástica, acrílica, com pouca ou nenhuma alma.

 

Ainda que soe meio forçada, a empreitada de Seu Jorge tem, digamos, dois nomes que entendem do assunto “axé”: Magary Lord e Peu Meurray, dois importantes artistas de Salvador, participam do álbum. Nem isso faz com que haja algo que destaque a presença de Jorge nesse ritmo, pelo contrário, o cantor surge meio sem noção do espaço que deve ocupar e sem traquejo interpretativo, deixando clara a pouca intimidade com o assunto. Faixas como “Shock”, que também tem a participação de um veterano da cena axé, Pierre Onassis, até poderiam ser interessantes, mas a produção, que sempre opta por uma sonoridade plástica e sem sal, coloca tudo a perder. Outra oportunidade desperdiçada é “Chama O Brasil Pra Dançar”, que poderia ser mais sanguínea, mas derrapa nessa tonalidade limpinha da produção. O resto desta “parte axé” segue na mesma linha, asséptico, plástico, sem graça e sem animação, algo que não pode acontecer nesse tipo de canção.

 

A “parte funk”, dos bailes cariocas, é mais familiar a Jorge, mas a produção também age para que tudo soe superficial. Canções como “Sábado à Noite” ou “Sete Prazeres” soam como esses chamados à festa de forma superficial, na celebração pela celebração e mais nada. A abordagem da produção sofre, não só pela excessiva limpeza quanto pela comparação com artistas como Os Garotin, que fazem som moderno, herdado da mesma origem que Seu Jorge procura legitimar aqui, mas com muito mais gana e sangue nos olhos. Qualquer batida ou groove dos Garotin torna irreversivelmente datadas e sem graça as canções que Jorge registra aqui. No fim das contas, esse álbum comprova a estranheza que é a carreira musical do sujeito. Sem consistência, identidade ou algo que o destaque em relação a outros artistas. Parece que seu público não consegue distinguir entre o Jorge ator e o cantor. Tanto faz.

 

Evite. Ou presenteie seu maior inimigo, dizendo que este é o álbum que vai fazer todo mundo dançar lá no baile da comunidade. A situação vai ficar ruim pra ele.

 

Ouça primeiro: o disco dos Garotin.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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