Quem são os verdadeiros “nazis”?

 

 

 

Parecia encerrada a polêmica sobre a fala do vocalista Nasi, do Ira!, num show em Contagem, periferia de Belo Horizonte. Pra quem não lembra, a gente recorda: após se posicionar contra a anistia aos acusados do episódio do 08/01/23, Nasi foi parcialmente vaiado e dirigiu-se ao público, dizendo que as pessoas simpatizantes do bolsonarismo (a favor da anistia), não deveriam estar num show do Ira! ou comprar seus discos. Em meio a aplausos também parciais, Nasi concluiu dizendo que não queria mais simpatizantes do ex-ocupante da Presidência na plateia de apresentações futuras da banda. Hoje, mais de dez dias depois, a produtora Scar, responsável por marcar shows da turnê “Acústico MTV – 20 Anos”, veio a público para dizer que os concertos do grupo em Jaraguá do Sul, Blumenau (ambas em Santa Catarina) e Pelotas e Caxias do Sul (as duas no Rio Grande do Sul) foram cancelados. Abaixo está a postagem da produtora.

 

 

 

 

À primeira vista, vendo o que foi escrito, notamos que o público parece ter atendido ao clamor de Nasi, uma vez que a Região Sul é um dos redutos de eleitores simpatizantes do bolsonarismo no país. A produtora, no entanto, manifesta um ponto de vista em seu comunicado, frisando que “artistas deveriam subir no palco apenas para apresentar suas músicas e talentos”, numa postura que contradiz a atitude de Nasi. Afinal de contas, o vocalista expressou seu incômodo sobre pessoas cantando letras compostas a partir de uma visão de mundo que vai de encontro ao que elas manifestam. É simples: quem ouve e entende a letra de uma composição como “Dias de Luta”, não deveria ser a favor da anistia aos golpistas de janeiro de 2023. Ou quem entende o significado de “Núcleo Base” e “Receita Pra Se Fazer Um Herói”, não deveria ser a favor de intervenção militar. Ou quem aprecia a recente “O Homem Cordial Morreu”, do mais recente álbum da banda, de 2020, não poderia concordar com as políticas de saúde durante a pandemia da covid-19. Mas Nasi nada pode fazer sobre o déficit acumulado de burrice e alienação presente na nossa sociedade. Mas pode – e deve – se expressar. E o fez.

 

Estabeleceu-se então um paradoxo. Partidários do bolsonarismo, ofendidos com a postura de Nasi, foram até seu perfil pessoal (a banda restringiu comentários em sua página) no Instagram e celebraram os cancelamentos, vangloriando a “tradição sulista” do país e soltando frases como “Quem lacra não lucra”, dando como mais importante a eventual perda financeira da banda versus a expressão da opinião. Penso que Nasi teve um “lucro” pessoal e artístico bastante considerável. Descontada a evidente necessidade material que todos temos por conta das despesas pessoais e do custo de vida, imagino que o vocalista esteja satisfeito com o que disse. Afinal de contas, deve ser desconfortável para uma banda com postura existencial-política-pessoal, como o Ira!, ser mal interpretada. Aliás, falando nisso, o grupo já teve problemas do outro lado, quando foi acusada de discriminação por conta da letra de “Pobre Paulista”, canção gravada no seu segundo álbum, “Vivendo e Não Aprendendo”, de 1986. A resposta veio firme: “Pobre Paulista” foi retirada dos setlists para sempre.

 

E tome gente dizendo que a banda terá que tocar apenas para a “elite petista” e “continuar se beneficiando com a Lei Rouanet” e debochando da atitude de Nasi. Tenho pra mim que, a cada manifestação dessas, o vocalista deve suspirar aliviado, com absoluta certeza do que fez. E que faria tudo de novo.

 

Em tempo: aqui está a entrevista que fiz com Nasi em 24 de junho de 2020 por conta do lançamento de “IRA”, o mais recente trabalho do grupo.

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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