Pluma ilumina o pop nacional em disco de estreia
Pluma – Não Leve A Mal
45′, 12 faixass
(Rockambole)

Para cara tonelada de artistas de gosto e procedência duvidosos, existe um contraponto de sutileza e talento como a banda paulistana Pluma. A primeira vez que ouvi falar deles foi durante a pandemia, no segundo semestre de 2020, com a canção “Mais do Que Eu Sei Falar”, que dava nome a um EP, no qual estavam outros três singles que o grupo havia lançado nos meses anteriores. Os vocais femininos, o instrumental pianístico, ao mesmo tempo jazzy e pop, inegavelmente brasileiro mas sem perder de vista o resto do mundo, me deixou animado pela vindoura estreia em disco do quarteto composto por Diego Vargas, Guilherme Cunha, Lucas Teixeira e Marina Reis. Por vários motivos alheios à vontade dos quatro, esse debut só acontece agora, cerca de quatro anos depois. No meio tempo, a Pluma viajou, participou de festivais europeus e começou a consolidar sua presença artística. Acrescentou mais acentos sonoros retrofuturistas, de gente como BADBADNOTGOOD, Boogarins, Tame Impala e outros, além de inserir influências de drum’n’bass, chegando a lembrar um pouco a cantora Fernanda Porto, que estourou nas paradas de sucesso do início do milênio. Com este adorável “Não Leve A Mal”, chegaram ao máximo que poderiam atingir neste momento.
A história da Pluma é interessante e inusitada. Surgiu de um trabalho de conclusão do curso de Produção Fonográfica, no final de 2019. Os quatro integrantes resolveram juntar forças e conceber uma banda que desse conta do que haviam feito. O resultado foi além das expectativas e, se não irrompesse a pandemia da covid-19 meses depois, certamente a Pluma seria uma realidade palpável no cenário nacional em pouco tempo. Porém, com as necessidades do isolamento social e as circunstâncias decorrentes disso, o quarteto foi lançando singles aos poucos, mantendo uma produção mínima regular e procurando driblar as adversidades. O primeiro show ao vivo só aconteceu em fins de 2021 e o repertório existente – dois EPs – foi o combustível para que a banda se apresentasse aqui e ali. Sendo assim, é natural que o grupo ainda esteja em processo de desenvolvimento de sua marca sonora e talvez a grande diferença das faixas deste disco de estreia e as dos EPs seja a inserção de tinturas psicodélicas, no sentido Tame Impala do termo. O próprio grupo admite que ver a banda australiana ao vivo em 2022 foi um momento de revelação. Ouvindo as novas faixas, é totalmente perceptível a diferença e a evolução.
O melhor de “Não Leve A Mal” é o equilíbrio desse leque de influências e a capacidade da Pluma oferecer boas canções. São treze ótimos espécimes de um pop refinado, bem feito e bem pensado. Ainda que a voz de Marina às vezes tenha um registro que beira o infantil, isso não atrapalha, pelo contrário, acrescenta um tom de inocência que casa bem com o uso de inspirações tão melódicas e harmônicas. Um ótimo exemplo disso é o delicioso single “Corrida!”, que parece uma variação drum’n’bass do Kid Abelha inicial, com toques de Rita Lee e muito mais atenção ao arranjo e aos timbres, resultando num crossover quase irresistível, turbinado por versos como “Amor é corrida e sempre alguém fica … sem ar”. A produção ficou a cargo dos integrantes da banda e de Hugo Silva e o resultado é uma tradução bastante fiel dessa gama de informações. As quatro canções iniciais de “Não Leve A Mal” já se incumbem de cativar o ouvinte imediatamente.
“Quando Eu Tô Perto”, com efeitos na voz de Marina, tem uma levada dançante que lembra Jungle e Phoenix, além de outras bandas de neo-soul, com um andamento simples e ótimos detalhes, como a linha de baixo e o tecladinho que acompanha a melodia. Solos lembram tanto “Summer Madness”, do Kool And The Gang, quanto a produção mais pop do Tame Impala. “Se Você Quiser” é mais noturna e misteriosa, com arranjo que lembra Jamiroquai. Além da já mencionada – e adorável – “Corrida!”, esse quarteto inicial de canções ainda tem a cinematográfica “Jardins”, que evoca timbres e progressões inspiradas no “Clube da Esquina” como tempero para o ambiente jazzy que o arranjo evoca. A faixa-título é um adorável exercício de sutileza e delicadeza, ancorada num instrumental discreto de teclado e bateria que serve como passarela para o registro frágil de Marina. Uma levada neodisco propulsiona “Sem Você”, que tem muito de Rita Lee na virada dos anos 1970/80 e a faixa de encerramento, “Sonar”, lembra algo de Guilherme Arantes, com muita sutileza e detalhes que vão progredindo em uma melodia bela e bem feita.
“Não Leve A Mal” é um baita cartão de visitas. Com o devido tempo, Pluma deverá ser uma das grandes bandas brasileiras. Estamos na torcida. Ouça esse disco logo.
Ouça primeiro: “Quando Eu Tô Perto”, “Sonar”, “Jardins”, “Se Você Quiser”, “Corrida!”, Não Leve A Mal”

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.