Pixies segue sem ser cover de si mesmo
Pixies – The Night The Zombies Came
40′, 13 faixas
(BMG)

Até quando teremos que ponderar que os trabalhos recentes dos Pixies não são – e nem devem ser – iguais aos que fizeram há mais de trinta anos? Parece óbvia a impossibilidade de que alguém ou uma coletividade não seja afetado por tanto tempo transcorrido, mas, mesmo assim, existe esse misto hipócrita de perplexidade e pasmo quando a constatação de que “nossa, isso já não é mais como costumava ser” é feita. Os Pixies devem rir disso a cada disco que lançam. Com este “The Night The Zombies Came”, seu nono trabalho, é a mesma coisa. Comparações feitas com os quatro primeiros álbuns do grupo, lançados entre 1987 e 1991, que ajudaram a pavimentar muito do rock alternativo americano dos anos 1990, ainda são feitas com mão no peito, solenes, como se isso impedisse a fruição de qualquer nova música que o grupo faça. E nova música é tudo o que Frank Black, David Lovering e Joey Santiago, o trio remanescente da banda, tem feito desde 2014, quando retomou a rotina de lançamentos. “Zombies” não é diferente deste produção recente, o que mostra um padrão sonoro estabelecido e é dele que deveríamos falar.
Em primeiro lugar, “Zombies” é um disco bacana na mesma medida em que “Doggerel”, de 2022, também é. Traz rock surrealista – uma marca dos primeiros momentos que se manteve ao longo do tempo – e barulhento na medida do possível. Rock americano, da virada dos anos 1970/80, que já foi experimental e maluco, mas que também tem habilidade inegável para boas melodias e boas sacadas de arranjo e refrãos. Lembra bandas pouco valorizadas como The Cars, ou melhor, parece com o que The Cars poderia ser hoje, caso tivesse permanecido na ativa. Frank Black sempre foi um compositor com virtudes e defeitos e o tempo acentuou esse detalhe. Se ele continua capaz de trazer letras inquietantes, por outro lado, seu humor peculiar oferece coisas como “Chicken”, uma “interessante” reflexão sobre a condição humana e o andar da carruagem do ponto de vista de uma galinha degolada. Talvez seja muito sutil e irônico para um tempo tão imediatista e explícito (sem criatividade?) como hoje. Ou não.
Esse é um dos benefícios do tempo transcorrido. É de se esperar que os caras que disseram uma vez que “se o homem é cinco, o diabo é seis e deus é sete” sigam capazes de concordar com essa “visão”. E, no contexto certo, é possível perceber que “Zombies” tem várias delas. Com a produção de Tom Dalgety, responsável pelos últimos álbuns da banda, o que temos aqui é um desfile de treze faixas meio irregulares, mais do que em “Doggerel”, mas que ainda seguram bem a onda. Em momentos como “You’re So Impatient” dá as caras a faceta mais pop e fluida dos Pixies, temperada pelo tempo, mas ainda capaz de oferecer boas canções dentro do idioma do rock alternativo de guitarras. A presença da nova baixista, Emma Richardson, ex-Band Of Skulls, mantém o mesmo padrão pixieano para o instrumento – boas linhas, vocais presentes, charme mulherístico no rock à toda prova. Faz parte.
Duas canções se destacam. “Oyster Beds” e “Motoroller”, mais a primeira, são dois rockões que levantariam qualquer plateia de show dos Pixies. Barulhentas, mas com o elemento pop presente, com duração curta e ótima performance de Santiago nas guitarras, elas são o melhor do disco, mas ainda há outros momentos bacanas. “Ernest Evans” tem guitarramas de Santiago, vocais enlouquecidos e um arranjo que tangencia o country, num efeito muito bacana. “Kings of The Prairie” é mais uma canção que aproxima o som dos Pixies do folk rock, lembrando até um pouco o REM, assim como “Pagan Man”, faixa de “Doggerel”. E o “grand finale” de “Zombies”, que chega sob a forma da sensacional “The Vegas Suite”, cuja letra e alternância de climas caem como uma luva dentro de uma narrativa enlouquecida que envolve zumbis, personagens esquisitos e a velha máxima de que “o que acontece em Vegas, permanece em Vegas”. Ao longo de menos de quatro minutos, mesmo que não seja necessário, os Pixies lembram a todos quem eles são.
“The Night The Zombies Came” é um disco dos Pixies de hoje e isso é ótimo. Não é autocover, não força a barra e oferece aos fãs e ouvintes em geral o que a banda pode dar hoje – bom rock, esquisito, angular, bem feito. E segue o baile.
Ouça primeiro: “The Vegas Suite”, “Ernest Evans”, “Oyster Bed”, “Motoroller”, “You’re So Impatient”

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.