O imparável Neil Young volta com força
Neil Young And The Chrome Hearts – Talkin’ To The Trees
38′, 10 faixas
(Reprise)

Neil Young não para. Com 79 anos (ele completa 80 em 12 de novembro próximo), exausto após uma turnê com o Crazy Horse, sua mais bem resolvida banda de apoio em todos os tempos, era de se esperar que o Véio fosse dar um tempo de descanso. Qual o quê. Neil já estava no estúdio, burilando mais um álbum, dessa vez com uma “nova” galera para acompanhá-lo. Sob o nome Chrome Hearts (tem a ver com Chrome Dreams?), velhos e novos companheiros de Young se juntaram para acompanhá-lo neste ótimo “Talkin’ To The Trees”. Spooner Oldham (órgão), que já participou de vários álbuns no passado e integrou outro time de acompanhamento de Young, o Stray Gators, está presente. Além dele, uma trinca de ciolaboradores recentes também está a bordo: Micah Nelson (vocais e guitarra), Corey McCormick (baixo e vocais) e Anthony LoGerfo (bateria), respondem por 3/4 do Promise Of The Real, banda que acompanhou o Véio em trabalhos gravados na segunda metade dos anos 2010. Com eles, Neil adentrou o Shangri-La Studios em Malibu e recrutou o veterano e venerável Lou Adler para a co-produção. Com este time, temos um desses trabalhos que Neil grava quando parece estar puto com alguma coisa. Não por acaso, os tempos atuais, de trumpismo 2.0, fascismos aqui e ali, burrismo universal e todo tipo de retrocesso acabam por alimentar a verve furiosa do homem e isso faz de “Talkin To The Trees” um disco que dispara vários projéteis nesses e em outros alvos.
Já disse em textos do passado recente e distante que minha persona predileta de Neil Young é o trovador folk meio country. Aquele que gravou discos como “After The Gold Rush” (1971) ou “Comes A Time” (1978), mas não me importo em dar de cara com o sujeito “subversivo existencial” de “Rust Never Sleeps” (1979) ou “Zuma” (1975). Pelo contrário. Young funciona bem sob a égide de tempos sombrios, nem que seja para destravar uma criatividade quase abrupta em termos de canções. Explico: trabalhos gravados nos últimos dez anos – justamente estes novos velhos tempos de escalada conservadora no mundo – geraram colaborações e trabalhos que não mostravam Young na melhor forma como compositor. Sua figura enfurecida em shows e álbuns como “The Monsanto Years” (2015), “Earth” (2016), “The Visitor” (2017), todos gravados com o Promise Of The Real, não são exatamente bons discos, mas serviram para marcar sua posição e fazê-lo presente num front de respostas necessárias ao avanço neoliberal e conservador. Estes trabalhos inéditos, mais um sem-número de relançamentos de todos os tipos e épocas prévias, tornaram, possivelmente, Neil Young um dos artistas mais presentes na indústria musical. De “Barn” (2021) para cá, ele reencontrou sua boa forma como compositor e equilibrou seus lançamentos com boas/otimas canções. E este é o caso de “Talking To The Trees”, um disco muito melhor que sua trilogia de dez anos atrás e no mesmo nível de “Barn”, ainda que seja muito mais politizado.
Se a tal trilogia feita entre 2015 e 2017 parecia anunciar a eleição de trump, este novíssimo álbum chega já com ele no segundo mandato. Não por acaso, a cacetada é ainda maior e atinge ares proféticos logo com o primeiro single, “Big Change”, que foi lançado às vésperas da posse do presidente americano. As guitarras altas e o tom rescante da voz de Young já caracterizam a canção como um de seus atos de protesto, somada à declaração que ele fez, mais ou menos na mesma época: “Se você é fascista, compre um Tesla”, fazendo alusão aos carros vendidos pelo assessor especial de trump, o milionário sul-africano elon musk. Além disso, Neil participou de várias atividades políticas com o Senador Bernie Sanders, uma das únicas vozes realmente dissonantes na política americana. Ou seja, tudo credencia “Talkin…” como um de seus álbuns mais engajados politicamente. A diferença, além da boa leva de canções, está no fato de que Neil parece estar compreendendo a política como realmente é – algo que está em toda parte, não só no front partidário. Se ele é um dos mais expressivos militantes da energia limpa – e o faz com propósitos realmente altruístas – aqui ele está realmente no front da luta por um modo de vida melhor, no qual o planeta, as crianças e uma certa igualdade material são ideais a serem buscados.
Desta forma, “Family Life”, um blues rock enfezado e mau, abre o disco com um clamor à valorização das pessoas que amamos, numa demonstração de compreensão do que Lilo e Stitch apresentam em seu desenho: família é o conjunto de pessoas que não podemos deixar para trás. “Let’s Roll Again” é chamado à luta, aquela de sempre, que nunca está resolvida e que precisa de eterna vigilância para ser encarada como se deve. “Dark Mirage” é um rockão em rotação mais lenta, mas que tem um groove encrustrado nas guitarras fora de tom e nos vocais levados às últimas consequências. Também é assim a já mencionada “Big Change”, que surge no meio do disco, esporrenta, anunciando vários chamados à ação, desmistificando a visão coach de que “toda mudança é positiva”. Quando a gente pensa que o disco seguirá nessa mesma medida inflamável, Young faz surgir um pouco do tal trovador folk e ele comanda três das quatro últimas canções: a faixa-título, belíssima e envolta pelos teclados de Oldham e a gaita do próprio Neil, é a primeira delas. “Bottle Of Love” é a mais bela canção do álbum, lembra algo que poderia vir dos distantes anos 1970, novamente com belo arranjo em que pianos dão a tônica, abrindo espaço para “Thankful”, outra lindeza acústica, que celebra a gratidão de estar vivo, mesmo que precisando lutar, chegando a lembrar um pouco a lindíssima “Harvest Moon”, de 1992.
Ao fim e ao cabo, “Talking To The Trees” é um dos mais belos álbuns que Neil Young grava neste século. Dada a criatividade borbulhante do homem, sua importância e sua enorme carreira, dizer isso já basta para indicar a audição. Ouça logo. E venha para o lado dos bons.
Ouça primeiro: “Thankful”, “Bottle Of Love”, “Talking To The Trees”, “Big Change”, “Let’s Roll Again”, “Family Life”

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.