O disco perfeito existe: conheça Jon Muq

 

 

 

Jon Muq – Flying Away
38′, 12 faixas
(Easy Eye)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

E se eu contar a vocês que existe um disco perfeitinho em 2024? Um que vá agradar tanto ao fã de música contemporâneo, que não deseja ouvir velharias, quanto ao sujeito mais tradicional, que adora o pop como costumava ser. Apresento-lhes Jon Muq, cidadão de Uganda, que estreia em disco com esta belezura chamada “Flying Away”. A história de Muq deve servir como introdução a qualquer texto sobre ele e seu álbum, visto que tudo ganha mais valor e profundidade depois de sabermos suas origens. Muq saiu da sua Kinshasa natal após ser descoberto por uma empresa de cruzeiros norueguesa, cujos diretores se encantaram com ele após ver um video em que Muq cantava para crianças desabrigadas da capital ugandense. Uma vez contratado para se apresentar no circuito transatlântico, Muq veio parar nos Estados Unidos e decidiu se instalar em Austin, Texas, há seis anos, uma cidade que tem cena musical fortíssima e com potencial para que ele pudesse mostrar seu trabalho. Em cerca de um ano, Muq caiu nas graças de gente como Mavis Staples, Norah Jones e Billy Joel, sendo convocado para abrir shows deles. A partir disso, a notícia chegou aos ouvidos de Dan Auerbach, guitarrista e vocalista do Black Keys e um produtor competente o bastante para enxergar no pop solar de Muq uma chance de beleza total. Devidamente contratado pela gravadora de Auerbach, o ugandense lança este milagroso álbum de estreia. Sério, vocês precisam ouvir.

 

Auerbach já provou ser um produtor sensível e dono de uma marca sonora própria. Ele tem um fraco pelo pop da virada dos anos 1960/70, sendo capaz de emoldurar musicalmente vários trabalhos de gente tão legal quanto Cee-Lo Green, a cantora britânica Yola e a estreante Britty com pacotes sonoros convincentes. Além deles, em seu próprio álbum solo, “Waiting On A Song”, de 2017, Dan estabeleceu esse padrão que convence e dá espaço para que o artista consiga encontrar seu espaço. Com Jon Muq o resultado  é esse pequeno painel sonoro do pop setentista, algo que soa convincente e adorável. Sua voz lembra um pouco a de Seal, mas criada numa realidade alternativa em que o timbre é mais caloroso, versátil e nada noturno, pelo contrário, a voz de Muq e todo o seu trabalho, pelo menos nesse álbum, apontam para a luz do dia, o sol, o céu azul e o triunfo do bem contra o mal. Tem várias canções sobre o amor, sobre o prazer de dançar sozinho, sobre a amizade, é quase uma peça promocional da Unicef, mas soando verdadeiro, algo sincero.

 

Alguns poderão dizer que o fato de Muq ser africano potencializa esta impressão e talvez isso até faça sentido. O fato é que ele tem talento vocal e postura suficientes para existir longe desse detalhe. Sua música está mais para um pop universal de décadas atrás, trazido para este 2024 de forma convincente, que não briga para soar atual. Ele também lembra Jon Baptiste, despido dos timbres eletrônicos e da influência jazzista, o negócio de Muq é o pop puro e de têmpera radiofônica e encantadora. É o cara que declara a um jornal que “a música é como uma conversa dele com o mundo e com as pessoas que estão ouvindo”. Além disso, ele assina todas as suas composições e várias delas, com o devido polimento da produção de Auerbach, evocam sonoridades clássicas e muito bem consolidadas no imaginário coletivo.

 

Das doze faixas de “Flying Away”, onze são autorais, sendo “Crying, Laughing, Loving, Lying”, do inglês Labi Siffre, a única versão. Várias dessas canções parecem feitas em laboratório para extrair um sorriso do ouvinte, seja por uma letra otimista não piegas, seja pelo arranjo lindão. “One More Love”, por exemplo, tem bom arranjo de piano e ótima performance vocal, enquanto “Shake, Shake”, apesar do título que sugere alguma dancinha, apenas fala da belezura que é dançar sem seguir regras ou coreografias diante da própria vida. “Bend” tem jeitão de canção com pedigree pop do início dos anos 1970, certamente contou com trabalho dedicado de Auerbach nos arranjos e mentoria sonora, tendo um ótimo resultado. Em “Hello Sunshine”, Muq soa parecido com aqueles clássicos imortais como “I Can See Clearly Now”, de Johnny Nash, sendo que devidamente temperado por uma aura beatle subentendida no arranjo. “Dark Door” é mais próxima do setor “das lentinhas”, soando convincente com arranjo pianístico, simples, porém eficaz e clássico. E “Flying Away From Home” é a lindeza de aura beachboyana, sem harmonizações vocais, mas com o mesmo espírito de diversão e amizade como meios de superar as agruras da vida.

 

Tudo neste álbum é honesto e bem intencionado. Talvez seja a melhor produção já assinada por Dan Auerbach, mas não dá pra deixar de lado a verdadeira estrela disso tudo: Jon Muq e sua música exuberante. Não deixe de ouvir.

 

 

Ouça primeiro: “One More Love”, “Shake, Shake”, “Bend”, “Hello Sunshine”, “Dark Door”, “Flying Away From Home”

 

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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