Metallica – S&M2

 

 

 

Gênero: Heavy metal

Duração: 143 min.
Faixas: 22
Produção: Greg Fidelman, Lars Ulrich e James Hetfield
Gravadora: Universal

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

Quando o Metallica gravou pela primeira vez com a San Francisco Symphony em 1999, o então maestro Michael Kamen quis, segundo as suas próprias palavras, “criar um diálogo entre dois mundos que celebrasse o poder da música”. Pode até parecer inusitado que unir um grupo de heavy metal com uma orquestra sinfônica poderia dar certo, mas, afinal, não é de hoje que bandas de rock’n’roll, principalmente aquelas dos anos 70, tentam reproduzir elementos de música erudita.

 

Nos dias 21 e 22 de abril daquele ano a banda subiria ao palco, pela primeira vez, com mais de oitenta músicos de orquestra e nos mostraria que a união a qual Kamen se referia poderia ser interessante. Esse momento foi apenas mais um daqueles episódios inusitados que fez com que o Metallica se tornasse uma das bandas mais desafiadoras da indústria musical e dos seus próprios fãs. O fato é que o S&M de 1999, mesmo odiado por alguns, se consagrou como um concerto epifânico e foi até indicado a um Grammy. No ano passado, a banda revisitou o conceito de 1999 para gravar nos dias 6 e 8 de setembro de 2019, no Chase Center em São Francisco, o mitológico e esperado S&M2.

 

S&M2 contou novamente com a San Francisco Symphony dividindo o palco com o Metallica em as duas apresentações no Chase Center e cerca de 40 mil pessoas na plateia. Ainda em 2019, o filme do concerto foi exibido em mais de 3 mil salas de cinema ao redor do mundo, e na última sexta-feira (28) a banda liberou o álbum nas plataformas de streaming, além de disponibilizar produtos exclusivos no site oficial como CD duplo, vinil quádruplo, blu-ray, palhetas, pôsteres e as partituras usadas no show.

 

Inevitável não comparar o novo trabalho do Metallica com aquele lançado em 1999. James Hetfield já narrou a Mick Wall na biografia da banda que a primeira vez em que o quarteto da Bay Area dividiu o palco com músicos de orquestra, muitos destes músicos de tradição erudita torceram o nariz para o trabalho do grupo de heavy metal.

 

Existia muita tensão naquela época. O Metallica, antes de gravar o S&M de 1999, havia acabado de lançar dois discos bastante criticados e incompreendidos na história da banda: “Load” (1996) e “Reload” (1997). Durante os anos que seguiram, o grupo tentou recuperar a sua reputação um tanto perdida na comunidade heavy metal que crucificou a banda pela reinvenção que o Metallica havia adotado naqueles últimos anos.

 

Imponente é um bom adjetivo para atribuir ao S&M de 1999. Quem havia juntado o rock com orquestra em outro momento da história foi o Deep Purple, uma das bandas favoritas de Lars, no Concerto for Group and Orchestra em 1969. O Metallica, quando topou seguir uma das antigas vontades de Cliff Burton e a engenhosidade de Michael Kamen, subiu ao palco para mostrar não só ao mundo, mas também para si, que era digna de sucesso e de dividir o palco com uma grande orquestra.

 

Por este motivo, o S&M de 1999 mostrou uma banda determinada em provar o seu valor – e a tentativa é, de fato, exitosa. Vinte anos depois com S&M2, o Metallica se apresenta com a mesma proposta, só que, dessa vez, se liberando dessa tarefa árdua que é a de provar perfeição – e é por isso que o S&M2 é simplesmente magnífico. A banda marca com um episódio admirável na construção da sua mitologia e mostra como ainda consegue nos emocionar. A épica gravação de S&M2 é a pura síntese da grandiosidade do Metallica e da sua capacidade de impactar seus fãs apaixonados – e, sim, ainda fazer com que aqueles seus fãs “traídos” continuem presos no passado, amando odiar (ou odiando amar) a banda.

 

E dessa vez, em S&M2, “The Ecstasy of Gold”, faixa de abertura de todos os shows do Metallica desde 1983 e canção original de Ennio Morricone para o filme ‘The Good, the Bad and the Ugly’, soa de uma maneira muito mais especial. A morte de Morricone foi um dos acontecimentos mais tocantes do ano. E é impossível não escutar a faixa de abertura sem se emocionar.

 

Seguindo o mergulho em emoções, a instrumental “The Call of Ktulu” nos traz à memória a figura de Cliff Burton. Fã de Johann Sebastian Bach, Lynyrd Skynyrd e H.P. Lovecraft, o baixista foi fundamental para que a banda formasse uma mentalidade de não seguir limites impostos por gênero musical. De alguma maneira, mesmo com a morte precoce de Cliff, ainda é possível que vejamos a sua presença em muito do que o Metallica lançou após ‘Master os Puppets’ em 1986. A segunda faixa de S&M2 é a cara de Cliff Burton, e é impressionante pensar que uma canção de quase nove minutos foi lançada no segundo álbum de uma jovem banda de thrash metal (!), quando Lars, James, Cliff e Kirk ainda não eram consagrados suficientemente para ousar em experimentações. Da mesma maneira, além de “The Call of Ktulu”, em S&M2 também somos introduzidos a uma emocionante homenagem ao baixista Cliff na faixa “Anesthesia Pulling Teeth”.

 

Com a produção de Greg Fidelman, juntamente com Lars Ulrich e James Hetfield, e com os arranjos de Michael Tilson Thomas e a regência de Edwin Outwater, S&M2 não é uma imitação daquilo que foi feito em 1999. O Metallica ousou em adicionar canções como “The Day That Never Come”, “All Within My Hands”, “Confusion”, “Moth Into Flame” e “Halo on Fire”, e em modificar os arranjos de “Master of Puppets”, “One”, “No Leaf Cover”, “Wherever I May Roam” e “The Outlaw Torn”. A banda acrescentou, também, composições russas como “The Iron Foundry” (1927) de Alexander Mosolov de 1927 e “Scythian Suite” (1915), de Sergei Prokofiev.

 

Em 1999, Michael Kamen havia dito que deixou o Metallica ser o Metallica. Mesmo que os arranjos fossem difíceis de serem feitos, o maestro acreditava que o quarteto da Bay Area tinha mais afinidades do que diferenças com a orquestra. E o Metallica teve que, literalmente, tocar muito alto para que fosse ouvida em meio a uma orquestra com quase uma centena de músicos.

 

Dessa vez, não foi diferente. O som é magnânimo e, mesmo que algumas vezes possa parecer que a banda se desencontra da orquestra, a sintonia entre as duas ocorre como deve ocorrer em qualquer grande concerto: ora como duelo, ora como pacto. Afinal, tanto a San Francisco Symphony como o Metallica sabem que são grandes, e em uma relação de gigantes é natural que nem sempre o acordo aconteça – o jazz e a política estão aí para nos ensinar sobre competição.

 

S&M2 é simplesmente um grande espetáculo à altura de um grupo que, entre inúmeros obstáculos, percorreu um caminho que não lhe foi imposto. O Metallica cresceu e resistiu além de quaisquer expectativas – até mesmo daquelas de seus fãs mais apaixonados. A banda construiu a sua própria estrada e, ainda jovem e pouco conhecida, demonstrava que não era um grupo que podíamos colocar em nossos rótulos pessoais. O pendor pelo risco foi não só raiz de seu sucesso, mas também elemento de seu DNA. Em S&M2, mais uma vez, o Metallica se arriscou. Só que dessa vez eles sabiam bem quem eram, e, como sempre, fizeram o que queriam fazer. Provaram novamente que os altos e baixos de sua carreira foram importantes para se tornarem uma das maiores bandas do mundo. Afinal, o lugar do Metallica sempre foi bem longe da zona de conforto – e James Hetfield, Lars Ulrich, Kirk Hammet e Rob Trujillo, pelo visto, continuam adorando isso.

 

Ouça primeiro: “Master Of Puppets”

 

Maisa Carvalho

Maísa Mendes de Carvalho é piauiense com toques paulistas, advogada, criadora e apresentadora do Distorção Podcast, amante das artes humanas e apaixonada por música.

2 thoughts on “Metallica – S&M2

  • 2 de setembro de 2020 em 21:51
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    O texto é tão empolgante que dá vontade de escutar o disco, cd, dvd, streaming etc … Agora!
    Mas o disco de 1999 não é essa coisa toda. Não foi na época, nem é hoje. Meses depois o Scorpions faria um disco muito melhor, quatro anos depois o KISS.
    Apesar da volumosa orquestra e tudo mais, nem o Metallica acrescentou nada a sinfônica e, pior, nem os arranjos de Kamen acrescentaram alguma coisa as músicas já consagradas do Hetfield e sua banda.
    Numa boa, Reload… nem Matrix!
    Mas que coisa boa ler sobre Heavy Metal; a música mais importante do mundo, neste site!!!!!!!

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  • 31 de agosto de 2020 em 13:04
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    Seus textos são perfeitos. Parabéns!

    Resposta

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