Lô Borges, o inesgotável

 

 

Lô Borges – Muito Além do Fim

Gênero: Pop rock

Duração: 37 min
Faixas: 10
Produção: Lô Borges, Henrique Matheus e Thiago Corrêa
Gravadora: Deck

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

Os primeiros versos de “Muito Além do Fim”, faíxa-título que abre o desfile de dez canções deste belo álbum, começa com “O pensamento vem num vôo pássaro” e, mais além, temos “homem sórdidos” e “viajo muito além do céu com diamantes…”, menções claras a canções já gravadas por Lô Borges e ao próprio universo que o cantor e compositor mineiro construiu em sua carreira. Este mundo de gentileza, amor, contemplação da vida e tudo isso enfiado em melodias praticamente perfeitas, que reciclam, homenageiam e repaginam os ensinamentos dos Beatles, em essência, a grande e perene influência que Lô cultivou a vida toda. Desde os primeiros acordes nos The Beavers a este novo trabalho – o quarto em quatro anos – Lô se recusa a envelhecer e se mostra em ótima forma. E “Muito Além do Fim” tem um ingrediente extra: traz dez canções inéditas e compostas em parceria com Márcio Borges, seu irmão mais velho e um dos alicerces do chamado “Clube da Esquina”. A chance de dar errado é ínfima.

 

Lô tem uma fluência invejável como cantor e compositor. É impossível sentir-se triste ouvindo sua música, mesmo que esta seja, via de regra, muito emocional e emocionante. O que ele consegue – e sempre conseguiu – é oferecer um modelo de beleza que tem muito do ideal hippie de paz e amor, que, por conta das agruras recorrentes do mundo, nunca deixa de sair de moda e soa, em alguns tempos, realmente audacioso. Como agora, por exemplo. Nada mais revolucionário que acreditar no próximo, praticar o humanismo e valorizar carinhos que a natureza ainda insiste em nos fazer: uma lufada de vento no rosto, uma flor vicejando, o sol que bate na montanha, este conjunto de manifestações realmente transcendentais que são banalizadas pelo cotidiano. Lô é um cara que tem olho clínico e apuradíssimo para perceber tudo isso, com uma capacidade invejável de transformar tudo em canção.

 

Musicalmente não há qualquer diferença entre “Muito Além de Nós” e os outros trabalhos recentes de Lô, a saber, “Dínamo” (2020) e “Rio da Lua” (2019), bem como de seus maiores clássicos, a saber, “Nucem Cigana” (1982), “Via Láctea” (1980) e o clássico “disco do tênis”, de 1973. Todas as canções e arranjos estão na fronteira entre o soft rock e folk rock, com o amor e o carinho pelo próximo. E as letras de Márcio caem como uma luva no panorama que o cantor e compositor vai tecendo. Temos a participação de Paulinho Moska na faixa-título, com uma letra que fala da nossa pequeneza diante dessas manifestações mencionadas acima. E a capacidade de percepção dessa condição é o maior sinal de inteligência possível. A mensagem é apropriada e dá o tom do que está por vir nas outras faixas. Temos o lirismo exuberante de “Canções de Primavera”, que soa clássica mesmo novinha em folha. Os riffs beatlemaníacos de “Vida Ribeirão” e o romantismo atemporal de “Rainha”, tudo é tipicamente Lô.

 

O grande destaque é ‘Vida de Gado”, uma interessante canção que recupera algo da verve contestadora que Márcio Borges tem e se manifesta de tempos em tempos (a letra de “Clube da Esquina 2” é um exemplo). Versos como “o lixo ocidental se amontoou no quintal, o futuro perdeu o sua hora” ou “ser medíocre vale ouro, ouro de tanto babaca, terra boa de ser ninguém, vai morrer nessa praia e achar que tá tudo bem”. Sejamos sinceros: nada mais apropriado para o momento que vivemos, certo?

 

“Muito Além do Fim” é mais um desses discos que Lô Borges oferece ao seu público. São obras simples, sinceras, fluentes, portadoras de uma verve artística que insiste em acreditar num futuro melhor, num presente melhor, no próximo e no potencial que temos para sermos bons. Como dissemos acima, ser revolucionário em 2021 é isso aí. Palmas.

 

Ouça primeiro: “Terra de Gado”, “Muito Além do Fim”, “Canções de Primavera”

 

 

 

Veja também: Entrevista com Lô Borges, 2019

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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