Ghost chega ao primeiro lugar com novo álbum

 

 

 

 

Ghost – Skeletá
47′, 10 faixas
(Loma Vista)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

Uma olhada para a parafernália visual do Ghost aponta para uma banda de doom metal ou algo no gênero. Integrantes mascarados, mitologia própria, crítica à Igreja Católica e um vocalista tenebroso que interpreta um anti-papa nos shows. Além disso, as capas dos álbuns, os títulos das canções, tudo aponta para um bando de coisas ruins infernais atacando pobres e desavisados ouvintes. Entretanto, uma ouvida mais atenta à música que esse grupo sueco faz, mostra mais e interessantes nuances. O som do Ghost, pelo menos a versão atual dele, que está representada no blockbuster “Skeletá”, é puro deleite hard rock oitentista. Guitarras “hollywood ao sucesso”, coros que dariam orgulho em gente como Journey, pirotecnias instrumentais devidamente postadas para servir aos arranjos e um inegável talento para gravar canções que têm potencial de explodir uma plateia em grandes espaços pelo mundo afora. É uma receita vencedora desde que bandas como Def Leppard estavam no topo das paradas e pouco mudou ao longo do tempo. O casamento entre o visual do Ghost e a sonoridade que a banda entrega mostrou-se irresistível para neófitos, mas desagradou fãs de longa data. Vejamos.

 

O Ghost vem de um álbum “de transição”, “Impera”, lançado em 2022. Lembro que cheguei a ouvi-lo visando a resenha para a Célula Pop, justo por conta dessa característica. O som que ele continha, no entanto, estava mais para algo próximo do eletrônico metal, mas já com um inegável apelo pop e potencial para ganhar o grande público. Foi esse disco que colocou a banda sueca no mapa dos grandes shows, justo por conta dessa guinada mais pop. Agora, “Skeletá”, não só confirma, como avança nesse sentido e ainda conta com um marketing involuntário da morte do Papa Francisco. Explico: O Ghost tem um vocalista-cérebro chamado Tobias Forge, que, desde o início da banda, encarna um “anti-papa” como figura central, vocalista e, digamos, porta-voz das intenções do grupo e de sua comunidade. Começou em 2012 Papa Emeritus e foi mudando de acordo com os lançamentos de novos álbuns, até chegar em Emeritus IV. Agora, para esta novíssima fase, eis que estreia o Papa V Perpetua, que agora empunha o cetro. Como dissemos no início – a julgar por toda essa ação teatral e sua temática, o Ghost deveria ser a própria danação em forma de música, mas Forge é, mais que tudo, um cara com percepção apuradíssima para sacar a importância de narrativas e o acréscimo dessa parte lírica e visual tornou-se a marca registrada da banda e a destacou de eventuais concorrentes. “Skeletá” confirma essa importância e o amadurecimento decorrente.

 

O abraço ao hard rock oitentista aparece logo de cara: “Peacefield”, a faixa de abertura, tem um riffão de guitarra extremamente crocante. A impressão é que ouviremos algo próximo do hit “Separate Ways”, do Journey. “Lachryma”, logo em seguida, começa com tecladinhos celestiais, mas mistura o clima com outro riff, agora um pouco mais pesado. Mesmo assim, os vocais límpidos, a bateria e o próprio andamento da canção apontam para o Europe ou algo do gênero, mas sem a overdose de pompa. A letra fala de um vampiro que se decepciona com um amor não correspondido. O amor de Forge pelo metal dos anos 1980 nunca foi surpresa, mas agora ele parece ter atingido o ápice. O single “Satanized”, que já tem mais de vinte milhões de audições no Spotify, muda o andamento sonoro e ecoa um pouco de Ozzy Osborne caso ele fosse um participante do Eurovision. A rendição ao pop fica evidente em vários momentos do álbum. “Guiding Lights” é o primeiro deles, em que uma melodia celestial, que poderia ser de uma canção do Abba, introduz um clima de expectativa que se confirma no derramamento de uma barragem de guitarras doces e líricas. Dá pra ver uma multidão no estádio acenando com as luzes dos celulares.

 

A ótima “Cenotaph” segue neste mesmo caminho, mas não é uma “lentinha”. Tem riffinhos que vão crescendo e um clima de trilha sonora de “Rocky IV”, que vai agradar muito aos órfãos daquela época e conquistar o coração dos neófitos. “Missila Amori” é, veja você, uma canção “sexy”, em que Forge fala de disparar seu “foguete do amor”, tudo em meio a uma boa dose de canastrice guitarreira que, pasme, funciona bem. “Marks Of The Evil One” é outro momento dinâmico, mostrando a ótima dinâmica guitarreira e tecladeira. Tem aquele rompante de alguém com laquê sobre um cavalo branco em meio a um campo verdejante, indo salvar uma princesa capturada. E “Umbra”, talvez a melhor faixa de “Skeletá”, é um épico sombrio (“umbra” é o latim de “sombra”) que vai crescendo lentamente ao longe e se transforma em riffs secos, andamentos que vão aumentando aos poucos, aquilo que os americanos chamam de “slowburner”, mostrando que é uma baita canção rock, no sentido Motley Crue do termo.

 

“Skeletá” é um disco divertido, cheio de crocâncias cafonas na medida certa. Vai agradar a quem sente saudades deste rockão mainstream canalha, mas bem feito e inflado na medida certa. Pra fugir do dia a dia, é um ótimo remédio.

 

Ouça primeiro: “Cenotaph”, “Umbra”, “Marks Of The Evil One”, “Peacefield”, “Guiding Lights”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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