Camila Cabello está pra jogo em novo e péssimo disco

 

 

 

Camila Cabello – C, XOXO
32′, 14 faixas
(Interscope)

1.5 out of 5 stars (1,5 / 5)

 

 

 

 

Quando ouvi “Havana”, primeiro sucesso de Camila Cabello há uns anos, me surpreendi positivamente. O pop latino-americano ainda não estava tão projetado na mídia quanto hoje e a canção mostrava uma cantora jovem, simpática e com talento. Quando vi que Camila havia composto a faixa e tocado piano na gravação, fiquei ainda mais animado. Daí fui pesquisar sobre ela: ex-integrante do grupo Fifth Harmony, que fora finalista de um desses reality shows de novos talentos musicais, nascida em Havana, crescida em Miami. Seu primeiro álbum, “Camila”, de 2018, é bem feito e musical, algo que se repete também no sucessor, “Romance”, do ano seguinte, que traz o famoso dueto da moça com seu então namorado na época, Shawn Mendes, em “Señorita”. No terceiro disco, “Família”, de 2022, já era possível ver que algo vinha mudando na paleta de cores da moça, com seu trabalho rumando para a encruzilhada com o hip hop e o hiperpop vigente no mercado. Mesmo assim, ainda era possível ver algum aceno às origens, em faixas cantadas em espanhol e homenagens a ícones da música latina, como a cantora Celia Cruz. Agora, com “C,XOXO”, Cabello abre mão completamente desse passado em favor de um popão banalizado e rappístico. Se antes a gente sabia que era ela cantando, agora pode ser qualquer uma.

 

Tudo bem, gente. A mudança estética na carreira de Camila Cabello não vai transformar nada nas nossas vidas cotidianas. Enquanto ela, com 27 anos, segue riquíssima e uma estrela de primeira prateleira do pop mundial, a gente segue pegando o metrô lotado e tendo pilhas de boletos inclementes para pagar. Porém, mesmo com uma artista tão corriqueira quanto uma cantora pop da atualidade, é possível fazer algumas reflexões. Certamente Camila decidiu mudar sua persona artística, abrindo mão, não só de suas origens, como de sua própria postura. Veja, todo megapopstar tem um, digamos, revestimento de conduta que usa para contactar seu público além da música. É como na luta-livre: temos o Executivo, o Bonzinho, o Satã, o Marinheiro, esses ícones que revelam bondade, maldade e orientações adjacentes, que mostram se ele vai jogar limpo, sujo, trapaçear, etc. No pop é assim. O artista pode ser bom moço, bagaceiro, chineleiro, reservado, intelectual, engajado. Camila resolveu partir para a festa que nunca termina, passando a falar sobre bebedeiras, preocupações com a aparência, a última paquera do aplicativo e coisas assim.

 

Tudo bem, oras. Cada um fala sobre o que quer e é ótimo ver uma mulher empoderada em sua obra, mas, teimosia nossa, que isso ocorra com alguma sinceridade. Parece que Camila abraçou um identkit e vestiu essa roupa, descolorindo o cabelo e abraçando essa postura festeira-acima-de-tudo. Ora, certamente essa mudança foi pesquisada, estudada e validada por seu time de marketing, uma vez que, nessa hora, o artista é mais uma empresa do que uma pessoa. E tudo bem com isso também. O que queremos é, no caso de uma cantora compositora, que haja … boa música. E no caso dela, podemos cobrar porque sabemos que Camila é capaz e talentosa. Porém, uma ouvida nas faixas de “C,XOXO” vai apontar para um panorama que lembra muito mais o deserto de possibilidades do que o horizonte de eventos.

 

O single “I LUV IT”, que tem participação de um tal de Playboi Carti, já tem mais de 85 milhões de audições no Spotify e traz um groove estéril, banal, que poderia ser gravado por qualquer cantora do mesmo segmento. Não há um traço identitário mínimo, além de um refrão irritante e martelado. E a participação do Playboi Carti é risível, o sujeito deveria ter visitado uma logopedista quando criança. Em “Chanel no.5”, Camila diz que o “verso” “I’m a dog, woof woof”, foi inspirado “no famoso artista de rua Chito” e, para celebrar a admiração dela por ele, lançou-se uma linha inteira de roupas e acessórios, que a cantora está vendendo em parceira com o artista e a revista Complex. Ou seja, a música, que já é rasa e insípida, é apenas um motivador de produtos cuja necessidade é inexistente. E já que estamos falando de produção, das 14 faixas do álbum, três têm menos de um minuto de duração. “HE KNOWS” tem participação do rapper Lil Nas X e “HOT UPTOWN” traz o picaretaço Drake, que se assenhora do microfone e deixa a própria cantora em segundo plano e, quando pensamos que ele já foi, a faixa seguinte, “Uuugly”, o traz de volta, dessa vez praticamente sozinho. A coisa já estava ruim, desse jeito fica difícil.

 

Pra não dizer que tudo é lamentável por aqui, dá pra salvar “DREAM-GIRLS” da fogueira. É um reggatonzinho leves teores que transcorre sem maiores problemas. Dá pra dizer o mesmo de “pretty when i cry” de “June Gloom”, a “faixa existencial” do disco, que lembra Lana Del Rey. Ou não. Torço para que este álbum seja um desvio momentâneo na carreira de Camila Cabello e que ela reencontre/abrace uma musicalidade mais sólida. Talento não lhe falta, mas é preciso olhar nas entrelinhas e perceber as mudanças do tempo.

 

 

Ouça primeiro: “DREAM-GIRLS”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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