Bob Mould retorna após cinco anos com discaço

 

 

 

 

Bob Mould – Here We Go Crazy
31′, 11 faixas
(BMG)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

 

Bob Mould é um dos artistas mais importantes do rock contemporâneo. Não bastasse sua extensa folha de serviços prestados no passado, seja a bordo do seminal Hüsker Dü ou do sensacional Sugar, Mould tem uma carreira solo que se confunde com a própria definição do rock alternativo americano dos anos 1990 para cá. Ao lado do ramo forjado pelo Sonic Youth e pelo Pixies, além do grunge/pós-grunge, Mould é responsável direto pelo som de gente como Foo Fighters e similares, com a vantagem de ser muito mais talentoso e relevante que Dave Grohl, que deveria pagar royalties polpudos a Mould pela chupação indistinta que vem fazendo da sonoridade fluida, pesada e harmoniosa que nosso amigo Bob criou já há tanto tempo. Por mais que Grolha o mencione e até convide Mould para participar de álbuns multi-vendedores do Foo, nunca será suficiente para mostrar o tamanho da xerox que ele empreende e segue empreendendo. Felizmente, Mould é um sujeito elegante e satisfeito com seu status de carreira, que segue relevante, atuante e com ótimos trabalhos sucessivos. O mais recente é esse sensacional “Here We Go Crazy”, que ele lança após um hiato de cinco anos.

 

O disco passado de Mould, “Blue Hearts”, foi lançado em setembro de 2020, em plena pandemia da covid-19. Todos devem lembrar de como estava o mundo naquele momento – nos USA, o governo trump acumulava mortes pela confusão e crueldade no tratamento da pandemia e Mould compusera as canções com o viés político agudo, esperando divulgar e fazer shows catárticos pelo país, que nunca aconteceram. Além disso, um bloqueio criativo tomou conta e reduziu a sua produtividade a níveis baixíssimo. Mas não deixa de ser curiosa a coincidência de termos o novo álbum justo agora, no início do segundo governo trump, ainda mais cruel do que o anterior. A diferença é que ele fará várias apresentações, que prometem compensar o tempo perdido e, quando falamos de canções de Bob Mould, a apresentação delas ao vivo faz toda a diferença. Quando ouvimos o amplo espectro das canções, pensamos logo que há três guitarras em linha, tamanha a sensação de espaço que o som possui, mas que nada. É apenas Bob, com a participação preciosa de sua dupla constante – Jon Wurster e Jason Narducy. Juntos, esses três ainda oferecem o que há de melhor no rock de guitarras atual.

 

Este álbum – o décimo-sexto da carreira solo de Bob – tem como inspiração a sensação perene de que o mundo está enlouquecendo a passos largos. As canções são politizadas mas preferem caminhar pela via do político-pessoal, ou seja, do ponto de vista de Mould em relação ao que ele percebe da realidade. Gay assumido desde meados dos anos 1990, ele também é uma das vozes fortes em favor de uma visão mais gentil e inclusiva de sociedade, algo que pode surgir das formas mais inesperadas, dentro de uma letra composta por ele, como “Neanderthal”, que, em meio a um turbilhonamento de guitarras e aerodinâmica, critica a bestialização das pessoas diante da overdose de informação e da volatilidade de conceitos via imprensa e redes sociais. Ou da faixa-título, que, com uma pegada entre a ironia e a desesperança, coloca como loucura pensar num mundo em que fronteiras e diferenças são bem menos importantes do que a união e a comunidade. O que é legal num álbum de Bob Mould é como ele consegue colocar questionamentos tão sérios em verdadeiros dínamos sonoros. Pois é, essa é a grande habilidade do sujeito e está intacta.

 

Mould produziu o álbum no estúdio Electrical Audio, do falecido Steve Albini, que produziu álbuns do Sugar e da carreira solo de Bob. As canções deste novo trabalho são especialmente plenas de melodia e ataque, a dicotomia que rege as boas criações desde os Beatles. Esta versão noventista-atemporal, que Mould criou e lapidou, segue imaculada e eficiente. Outro ótimo exemplo dessa belezura é “Hard To Get”, aerodinâmica e rápida, mas com um refrão que cativa e funcionaria em volta de uma fogueira, com violão. “When Your Heart Is Broken” é uma espécie de equivalente sonoro de uma célula-tronco do rock alternativo de guitarras ianque a partir dos anos 1990. Ela tem elementos familiares enfileirados – os vocais, as guitarras, o andamento, a produção – que podem ser achados em uma infinidade de outras canções, de outros artistas. “Sharp Little Pieces” é outra porrada e tem um efeito interessante que parece apontar para Bob cantando emparedado por guitarras e bateria, uma verdadeira porrada bem dada. A trinca final, com “You Need To Shine”, “Thread So Thin” e “Your Side” comunga dinâmica, ótimas letras e um belo uso das guitarras. Maravilha.

 

Bob Mould é uma voz a ser sempre ouvida. Quando lança álbuns, temos que parar, prestar atenção e absorver o que é dito. Felizmente, a recompensa é sempre grande. Mais um belo trabalho, cheio de canções maravilhosas.

 

 

Ouça primeiro: “Here We Go Crazy”, “Neanderthal”, “Hard To Get”, “When Your Heart Is Broken”, “Sharp Little Pieces”, “You Need To Shine” “Thread So Thin”, “Your Side”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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