A tristeza inevitável de “Quando o Brasil Era Moderno”
“Quando o Brasil Era Moderno” é um dos filmes mais tristes que já vi. Talvez nem todos sintam o mesmo após ver o documentário magistral que Fabiano Maciel começou a rodar em 2018 e que só foi lançado agora. O motivo do atraso dá a pista: eleições naquele ano de um governo retrógrado e responsável por mais atrasos na eterna luta do Brasil em se tornar um país protagonista no cenário mundial. Agora, sete anos depois, fica evidente que a decisão de esperar foi acertada pois este espaço de tempo conferiu ainda mais perspectiva para a narrativa, que busca falar da importância da arquitetura modernista brasileira como um estilo autônomo e indicativo desta busca incessante pelo “brasileiro moderno”, um ente social que seria dotado de características próprias, passado, presente e futuro entrelaçados e igualmente próprios. Ou seja, o mesmo que criaria a Bossa Nova, o Cinema Novo e todas as manifestações culturais que acenaram, ainda que por pouco tempo, para o mundo a existência de valores culturais e sociais aqui embaixo.
Como dissemos, Fabiano, que já dirigiu longas maravilhosos sobre a cena samba-jazz dos anos 1960 e sobre o próprio Oscar Niemeyer, entre outros, tem a narrativa centrada na evolução da arquitetura no Brasil do século 20. Ele vai contando uma história rica em documentos e depoimentos sobre como as manifestações artísticas e culturais entravam em choque nos primeiros anos pós-república e como isso acontecia de acordo com tensões políticas que vinham de dentro e de fora do país. Desde o início, a Proclamação da República propôs a criação de um novo Brasil, algo que, só começou a acontecer com as manifestações que começaram a ocorrer mais fortemente nos anos 1920, em resposta a opções e diretrizes elitistas, racistas e excludentes adotadas pelos governos republicanos. Passando pelo Tenentismo, pela Semana de Arte Moderna de 1922 e pela Revolução de 1930, Fabiano vai mostrando a importância da figura de Getúlio Vargas e seu projeto de estabelecimentos de parâmetros nacionais para a criação desta identidade moderna do brasileiro, até então inexistente ou vinculada exclusivamente a padrões eurocêntricos que jamais traduziram a realidade do país.
O episódio de construção da nova sede do Ministério da Educação e Saúde, no Centro do Rio de Janeiro, espécie de marco zero da arquitetura moderna como participante do projeto político de Vargas, serve como ilustração das intenções do grupo de intelectuais e artistas participantes do momento e como as ligações com o governo eram complicadas, especialmente em tempos de agitação reacionária materializada em manifestações como o Integralismo e várias esferas de preconceito e xenofobia. Por trás de fachadas de construções ainda existentes em cidades como Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Diamantina, Porto Alegre e Curitiba, travaram-se verdadeiras batalhas entre modernidade e atraso, algo que, infelizmente, ainda acontece no país. O documentário tem depoimentos preciosos de intelectuais, arquitetos e artistas, que vão percorrendo o caminho de ida e volta na história, descrevendo eventos, momentos e situações que marcaram o projeto de modernidade nacional. Entre eles estão o próprio Niemeyer, que começou como estagiário de Lúcio Costa, Paulo Mendes da Rocha, Guilherme Wisnik, Carlos Lemos, Renato Anelli, Lauro Cavalcanti, Maurício Lissovsk, além de vários outros. Rocha, inclusive, dispara a inatacável frase em certo momento: “O que somos nós hoje? Nunca fomos tão atrasados”. Bingo.
Com roteiro de Fabiano Maciel, Guilherme Vasconcelos e Lauro Cavalcanti, “Quando o Brasil Era Moderno” (Ocean Films) é um desses documentários que deveria ser exibido em escolas e universidades. Sua mensagem escapa do academicismo e pede, implora para ser vista e entendida. Sua questão principal ainda está vigente e segue importantíssima. O futuro a que o Brasil pertence tornou-se do pretérito e aqui está boa parte dos motivos. Contundente, belo e muito, muito triste.

93′, Brasil
Ocean Films

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.