Terno Rei segue consistente em quinto álbum

 

 

 

 

Terno Rei – Nenhuma Estrela
40′, 13 faixas
(Balaclava)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

Aqui está o Terno Rei em mais um belo trabalho. “Nenhuma Estrela” é seu quinto álbum numa trajetória que já ultrapassa os dez anos e que deu um salto qualitativo considerável a partir de “Violeta”, o terceiro disco, lançado em 2019. Foi quando o grupo mostrou que era capaz de adquirir e sustentar uma identidade musical sólida, que poderia transitar dentro dos limites estéticos que ela apresentava e que, mais importante, tinha algo real a dizer. No caso de Ale Sater (voz e baixo), Bruno Paschoal (guitarra, vocais e sintetizadores), Greg Maya (guitarra e sintetizadores) e Luis Cardoso (bateria e vocais), o assunto era (e ainda é) a crônica sentimental e solitária da vida numa metrópole como São Paulo, enorme, confusa, diversa e imersa em várias contradições. Como faz pra seguir o coração num lugar desses? Como faz pra seguir o coração num mundo desses? Ainda é pra seguir o coração? E, se não for, como faz? Como lidar com a saudade e a teimosia em achar que já fomos mais felizes e que, mesmo jovens, achamos que nada vai melhorar? Essas questões fazem parte desta identidade, desse “algo a dizer”, que o Terno Rei sustenta. Em “Nenhuma Estrela” eles dão mais um passo adiante nessa investigação existencial. E pisam firme.

 

Um clichê de Célula Pop é sempre dizer que, não importa o conceito, a ideia, a experiência, o que conta mesmo é ter boas canções para transmitir a mensagem. Dominar o idioma vigente, ampliar com suas próprias informações e fazer único o seu trabalho. O Terno Rei tem tudo isso e, assim como todo o resto, a capacidade de seus integrantes em compor belas melodias, letras inteligentes e arranjos com bom gosto só faz aumentar de álbum pra álbum. Aqui, novamente com a produção de Gustavo Schirmer, eles estão à vontade, dominando seu jogo e oferecendo o que podem para dialogar com seu público. A origem do som praticado pela banda está nos anos 1980, mas, assim como os melhores artistas na seara do pós-punk, synthpop, dreampop e congêneres espalhados pelo mundo, o Terno Rei sabe trazer tudo isso para o agora e inserir na nossa realidade acelerada. De alguma forma, ouvir esse tipo de canção é um antídoto para a rapidez e a fugacidade que parecem dominar tudo, especialmente as relações sentimentais. Como falar sobre amor, saudade, afeto sem cair na armadilha hedonista vigente no pop planetário? Como defender esse discurso “lento” em meio a tanta futilidade? Com honestidade e a competência a que nos referimos acima. Tudo está interligado e “Nenhuma Estrela” tem treze ótimas faixas para provar.

 

A primeira que salta aos ouvidos é a belíssima “Relógio”, que traz a presença sempre importante de Lô Borges. Com discrição, ele está imerso na sonoridade que é proposta, neste caso, um folk rock pós-punk que se comunica diretamente com o que o próprio Lô vem fazendo recentemente em seus discos. O tom é de contemplação e os versos “As cores da minha cidade//Aos poucos se desfazem//Em branco, azul anil//Pelos bairros que eu gosto//Eu pedalo até o Relógio//É tudo que eu sempre quis” dão conta exata disso. Outra surpresa é o tom levemente eletrônico do arranjo de “Próxima Parada”, que tem ecos de várias bandas e artistas dos anos 1990, seja nas guitarras, nos vocais, numa homenagem discreta e pertinente, que faz sentido. “Tempo” é outra lindeza, que pega mais pesado no tom dançante, algo que é meio inédito para o Terno Rei, pelo menos, do jeito que está disposto aqui, com um timbre à la New Order, acenando para as variantes melancólicas diante da contemplação do caos emocional.

 

O “bom e velho” Terno Rei domina a maior parte do álbum. Em “Peito”, que abre o álbum, o dedilhado de violão inicial se integra aos poucos ao sintetizador que faz climas e nuances, enquanto os vocais dissertam sobre descompasso e falta de comunicação. Logo após, “Nada Igual”, a segunda faixa, tem um arranjo arranjo que confronta bateria angular e guitarra encrespada, que fazem um andamento estranho, que funciona muito bem e mantém o ouvinte à espera de algo mais. “Nenhuma Estrela”, um dos grandes singles do álbum, tem uma guitarra que parece reproduzir os climas de alguma faixa de “Desintegration”, do The Cure, mas sai pela tangente em favor da sensação de vácuo sobre mais descompasso emocional. E o andamento de “Casa Vazia”, com uma bateria mixada logo à frente, tem um ar lo-fi que soa como intencional, visto que há complexidade nas pausas e vocais de apoio que estão em um lugar distante no espectro sonoro. E tem as guitarras que parecem perdidas no espaço tempo, direto do início dos anos 1980 para cá.

 

“Nenhuma Estrela” é um ótimo disco de rock feito no Brasil. Tem tudo o que é necessário para comprovar a excelência do trabalho do Terno Rei, uma das bandas mais importantes e consistentes em atividade no país. Uma lindeza.

 

Ouça primeiro: “Relógio”, “Nenhuma Estrela”, “Casa Vazia”, “Peito”, “Próxima Parada”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *