Marina Sena chega ao estrelato perdendo autenticidade
Marina Sena – Coisas Naturais
43′, 13 faixas
(Sony)

Em 2021, depois de ouvir o primeiro disco de Marina Sena, dei o seguinte título para a resenha: “Marina Sena é o melhor do pop atual”. Era setembro daquele ano, alta pandemia da covid-19 rolando e a figura de Marina, que não parecia se importar com nada, fazendo boa música e soando maravilhosamente desleixada e malandra, era quase irresistível, apesar da voz não ser seu ponto mais forte. Assim como a gente, vários veículos reconheceram seu talento e ela iniciou um processo de arrebanhar fãs e admiradores, que foi ampliado quando ela soltou o segundo trabalho, “Vício Itinerante”, dois anos depois. Este disco mostrava que Marina era capaz de mais ousadia, mas parecia que isso só poderia acontecer se ela se tornasse uma artista que mirasse o mercado latino e investisse mais na imagem e na sensualidade. Deu certo, ainda que custasse um pouco daquela autenticidade maravilhosa da estreia. Marina subiu de prateleira, fez show cantando Gal Costa (uma péssima ideia, mas que trouxe ainda mais fãs e divulgação), apareceu nas manchetes de fofocas terminando e começando relacionamentos e criando uma imagem que parecia equiparar música e corpo. Agora, com este “Coisas Naturais”, a mira no mercado latino está mais explícita do que qualquer outra característica e o restinho de espontaneidade do seu primeiro álbum parece perdido para sempre. E a voz, bem, ela nunca esteve tão frágil.
No tal ambiente de “espontaneidade” promovido pelo primeiro álbum, a questão vocal de Marina surgia como um detalhe. As canções, o clima e a novidade da mescla tradição-modernidade distraiu a atenção da maioria . Entretanto, isso já era presente. À medida que ela foi se apresentando ao vivo, surgindo como uma estrela ascendente aqui e lá fora, tal fato ficou mais exposto. O segundo disco ajudou a passar essa impressão, na medida em que Marina foi optando por se enquadrar nos parâmetros mercadológicos vigente. Agora, nesta terceira incursão no estúdio, ela vai com mais força em direção ao mercado latino-gringo, abrindo mão dessa brasilidade novidadeira de antes. É um processo semelhante ao que Anitta escolheu para sua carreira, abrindo mão de diferenciais em favor de uma imagem mais pasteurizada e afeita ao mercado internacional. Só que ela fez tal movimento com bastante tempo de carreira. Marina ainda não tem consistência para tal transição, pelo menos, não de um jeito que consiga equilibrar suas virtudes com as exigências do mercado, como Anitta tenta fazer.
Engraçado que Marina procurou uma volta às origens quando estava concebendo o conceito do álbum. André Oliva e Matheus Bragança, que formaram com ela A Outra Banda da Lua, vieram a bordo. Além deles, produtor Janluska. Essa galera ajudou a cantora a desenvolver algumas composições que já tinha mais ou menos prontas, caso de “Ouro de Tolo” e “Mágico”. Marina chegou a se mudar para um sítio alugado próximo a São Paulo, levando esses e outros colaboradores, com a intenção de se dedicar totalmente à produção e composição. A ideia, declarada, pelo menos, era obter o máximo de diversidade dentro desta grande caixa latina dentro do organograma de variantes do pop vigente. Mas, basta uma audição de “Numa Ilha”, o single que precedeu o álbum, pra perceber que há algo muito equivocado nos vocais. Um timbre gasguita, que chega a parecer estar numa velocidade alterada é emoldurado por um arranjo tecno-latino sob encomenda, que faz com que a canção seja um dos piores momentos da carreira de Marina. E ela é só o começo.
Outra faixa, “TOKITÔ”, é muito ruim. Novamente os vocais parecem de algum desenho animado da Nickelodeon ou algo no gênero e olha que aqui Marina tem a colaboração da cantora ítalo-brasileira Gaia e da rapper portuguesa Nenny, numa onda vocal involuntária meio “Garotas Superpoderosas”. Não bastasse isso, a canção é insuportável. “Desmistificar” também é dura de ouvir, com uma batucada estéril faz fundo para esse padrão vocal desenho-animado e uma letra – até legal – de sedução e tentação presumidas. “SENSEI” é outro momento duro para o ouvinte mais crítico, trazendo um arranjo climático esvaziado e “Lua Cheia” tem ambiência tecnobrega que não ajuda. “Combo da Sorte”, com um arranjo reggae belezinha, poderia ser melhor se tivesse um timbre vocal menos filtrado. Melhor é ficar com “Mágico”, que tem pegada pop urbana legal e aerodinâmica, ou com “Anjo”, quando ela emula uma bossa nova com efeitos vocais que trazem seu registro mais para a realidade humana e uma abordagem bonitinha, que funciona. “Sem Lei” também investe nessa busca por ritmo mais tradicional e a performance vocal mais próxima do real. O reggaeton de “Doçura”, junto a banda espanhola Çantamarta irrita menos do que parecia e o encerramento, com “Ouro de Tolo”, outra incursão pela tradição samba-bossa, é legalzinha.
Marina Sena precisa pensar no que deseja para a sequência de sua carreira. Se confirmar esse mergulho na direção mercadológica gringa, periga perder o que ainda lhe resta de qualidades e personalidade artística. E precisa proteger essa voz de alguma forma. Ainda dá pra salvar alguns momentos deste novo álbum, mas é preciso esforço.
Ouça primeiro: “Mágico”, “Anjo”, “Sem Lei”, “Ouro de Tolo”

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.