Neil Young lança mais um “disco perdido” dos anos 1970
Neil Young – Oceanside Countryside
38′, 12 faixas
(Reprise)

Neil Young poderia aparecer num episódio da série “Acumuladores”. Digo isso porque a quantidade de álbuns seus que foram arquivados ao longo dos anos e, posteriormente, lançados, é imensa. Ele deve ter um porão realmente caótico. Sua série “Archives” está em franca atividade há cerca de vinte anos e os registros ao vivo e discos de estúdio que estavam guardados segue impressionante. Em meio a vários títulos, Young tem disponibilizado trabalhos que ganharam status místico ao longo do tempo, como “Homegrown” e “Chrome Dreams”, compostos e gravados no início dos anos 1970 e que só haviam visto a luz do dia em forma de edições piratas a preços inacreditáveis. Pois bem, agora é a vez de “Oceanside Countryside”, cujas gravações ocorreram no fim de 1977, época em que Young já estava preparando o conceito de outro álbum, “Comes A Time”, que seria lançado no seguinte. O período entre o disco anterior, “American Stars’n’Bars” e “Comes…” é um dos meus favoritos na carreira de Neil, mas, a julgar pelo conteúdo de “Oceanside…”, vejo que muitas de suas canções foram parar no tracklist de discos que ele lançou oficialmente até 1980, ano de “Hawks And Doves”. Vejamos.
É uma praxe na carreira de Young a existência de várias canções em versões levemente diferentes em álbuns distintos. Parece que “Oceanside…” marca a origem de várias composições que forneceram material para trabalhos que ele lançou entre 1978 e 1980, a saber, “Comes A Time”, “Rust Never Sleeps” e “Hawks And Doves”. Ou seja, também revela um mecanismo interessante de sumarização criativa, servindo, talvez como um índice de um determinado ciclo criativo. A arte da capa mostra Young sentado de forma um tanto desajeitada em tábuas de madeira, usando um chapéu de cowboy, camisa xadrez e óculos de sol. Os fãs de longa data reconhecerão essa capa, pois era a capa pirata usada para ‘Chrome Dreams’ na época, então é ótimo vê-la receber um lançamento oficial.
A única música “nova” aqui é “It Might Have Been”, um momento em que Neil realmente mergulha nas vibrações country. Batidas lentas, vocais em falsete com um solo de violino para completar. O coral infantil em “Lost In Space” funciona melhor aqui do que na versão que foi parar em “Hawks And Doves”. “The Old Homestead” também está bem bonitona aqui. Esta versão é ligeiramente diferente da versão de “Hawks And Doves”, mais curta, porém mais lenta e largada. O theremin soa mais pronunciado em alguns lugares. Na versão de ‘Hawks and Doves’, soa quase fora do alcance da audição. Você precisa se esforçar para ouvi-lo, mas nesta nova versão original, é mais fácil percebê-lo no fundo.
O único ponto negativo de “Oceanside Countryside” é mesmo a falta de novidade. Por exemplo, “Sail Away”, uma das mais belas faixas de “Rust Never Sleeps” aparece totalmente acústica, com um arranjo que perde em relação ao que seria gravado no álbum de 1979. E, para estes mesmos fãs nerds de Neil Young, há detalhes que chamarão a atenção, como, por exemplo, a introdução de gaita que “Field Of Oportunity” e que foi parar na canção “Comes A Time”, alguns meses depois. Falando em “Comes A Time”, outra canção que aparece aqui numa versão inferior é “Human Highway”, que também surge totalmente acústica em meio ao clima folk country que Neil estava concebendo.
O fato de Young ter reciclado a maioria dessas músicas mostra que ele ainda gostava delas, mas talvez não tivessem se encaixado o suficiente para ele. De qualquer forma, o historiador que vive em mim celebra o lançamento de todos esses títulos, com a forma original, mostrando cada detalhe do que ia pela cabeça do homem. Que Neil continue explorando seu porão e revelando tudo o que fez. Se não me engano, “Eldorado”, o disco perdido de fins dos anos 1980, que acabou dando origem a “Freedom”, ainda está inédito. Neil, vamos nessa.
Ouça primeiro: “Sail Away”, “Goin’ Back”, “Field Of Opportunity”

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.