Meu primeiro Frank Sinatra completa quarenta anos

 

 

Quando eu tinha quatorze anos recém completados, comprei meu primeiro disco de Frank Sinatra. Fui até alguma loja de Copacabana e levei o compacto de “LA Is My Lady” pra casa. Certamente eu fui um dos integrantes da “nova geração de fãs” que Sinatra procurava atingir com o lançamento do álbum de mesmo nome, em agosto de 1984. Sem muito alarde, o clipe da faixa-título invadiu os programas de videoclipes nacionais – FMTV, Clip Clip) e me conquistou. Ainda que o vídeo trouxesse um monte de figuras conhecidas daquele início de anos 1980 – Van Halen, Donna Summer, Michael McDonald e até Michael Jackson – foi a lindeza da canção que me conquistou. Anos depois, descobri a obra de Sinatra e entendi o motivo pelo qual diziam que ele fora o mais importante e relevante intérprete do chamado “Great American Songbook” em todos os tempos. Cerca de uma década depois, ele voltou à ordem do dia com o badaladíssimo lançamento de “Duets”, que, como o nome já diz, trazia o homem interpretando vários clássicos de sua carreira com a participação de outros cantores, num espectro que ia de Bono Vox a Julio Iglesias. Um ano depois, em 1994, veio o segundo volume de “Duets” e este seria o último álbum que os Velhos Olhos Azuis assinaria. Ele faleceria em maio de 1998, aos 84 anos. Frank é figura gigantesca e pouco há sobre ele aqui na Célula Pop. Como “LA Is My Lady” ganhou uma edição comemorativa de quarenta anos, vamos começar a zerar este débito.

 

Imagine a mente de Sinatra no início dos anos 1980. Ele já vinha lidando com um anacronismo estético deste meados da década de 1960, quando ainda produziu ótimos álbuns. Seus lançamentos recentes oscilavam entre coletâneas, discos inexpressivos e especiais. Desde 1973, ele vinha lançando alguns trabalhos em que confirmava a tendência do fim dos anos 1960 de emprestar sua voz, ainda imaculada, a sucessos da música pop de então. Canções como “Something” (Beatles), “MacArthur Park” (Jimmy Webb), “Song Sung Blue” (Neil Diamond), “Love Me Tender” (Elvis Presley), “Gentle On My Mind” (Glen Campbell), entre outras, haviam temperado os setlists dos álbuns de Frank em meio aos standards da canção americana que ele sempre gravara. Em 1974, veio “The Main Event”, disco ao vivo que acompanhou especial de televisão. Em 1977, veio uma coletânea trazendo sucessos do passado. Quando tentou fazer alguma coisa original, como, por exemplo, no triplo “Trilogy: Past, Present And Future), de 1980, errou a mão e não conseguiu aclamação crítica, ainda que, deste último, viesse o seu grande, enorme sucesso, “Theme From New York, New York”, feito para o musical que Martin Scorsese havia feito em 1977.

 

Sinatra havia entrado os anos 1980 com “She Shot Me Down”, uma compilação de seus grandes sucessos na gravadora Capitol, com rearranjos de Nelson Riddle e Gordon Jenkins, com quem trabalhava nos shows ao vivo que continuavam acontecendo com grande frequência, como, por exemplo, o que deu no Maracanã, em 26 de janeiro de 1980, para um público estimado de 175 mil pessoas. Mas o homem queria novos ares e, para isso, se reaproximou de um velho amigo: Quincy Jones, que era, naquele início de década, o mais badalado produtor musical do planeta, pois pilotara e ajudara a conceber “Thriller”, o álbum que levou Michael Jackson ao topo do jogo. Antes disso, Quincy já mostrara um talento impressionante naqueles tempos, assinando o álbum anterior do próprio Michael, o perfeito “Off The Wall” (1979) e o melhor álbum que George Benson já lançara até então, “Give Me The Night” (1980). Quincy, velho colaborador de Sinatra nos anos 1960, quando regeu a Count Basie Orchestra, que acompanhara Sinatra em shows e discos antológicos, era o homem certo para conferir ao velho Frank um toque de modernidade total. Coincidentemente, os dois não trabalhavam juntos em estúdio desde 1964, quando Jones produziu “I Might As Well Be Swing”.

 

A canção “LA Is My Lady”, composta pelo casal Alan e Marilyn Bergman, veio como a ideia de uma nova visita do cantor a uma cidade americana, de olho no recente sucesso de “New York, New York” e em “My Kind Of Town”, canção em que Frank homenageava Chicago. Os Bergmans, famosos por várias composições do passado, estavam em ótima fase com o sucesso “It Might Be You”, do filme “Tootsie”. “LA” surgiu como uma parceria com o próprio Quincy e sua esposa, Peggy Lipton e agradou Frank a ponto de dar nome ao álbum. Jones arregimentou um time de monstros de estúdio, como George Benson, os irmãos Randy e Michael Brecker, Joe Newman, Frank Foster e o grande Lionel Hampton para as gravações que, curiosamente, ocorreram em Nova York. Frank, velha raposa dos estúdios e acostumado a cantar à frente de big bands, exigiu que as gravações fossem feitas ao vivo, com os músicos e ele no mesmo recinto, além de Quincy Jones na regência. O resultado é mais, digamos, “orgânico”, do que seria se o método vigente na época – as overdubs – fosse utilizado.

 

“LA Is My Lady” é um disco menos revolucionário do que pensam. Apenas a faixa-título, “How Do You Keep The Music Playing?” (outra composição do casal Alan e Marilyn Bergman, dessa vez em parceria com Michel Legrand) e “The Best Of Everything” (de Fred Ebb e John Kander, autores de “New York, New York”) são composições da época. As outras faixas são standards bem ao estilo de escolha de Frank ao longo de toda sua carreira, com destaque absoluto para a arrepiante versão de “Stormy Weather”, que ele gravara pela primeira vez quarenta anos antes. Também “Mack The Knife”, clássico total do cancioneiro pop tradicional americano surge pela primeira vez com Frank Sinatra. Belas também são “Teach Tonight” e “After You’ve Gone”, composta em 1918 e interpretada num arranjo de jazz tradicional. Quincy Jones, então conhecidíssimo por “Thriller”, reencontra sua persona jazzística nos arranjos e na condução dos músicos, fazendo com que o álbum soe da forma mais natural possível.

 

Na época do lançamento, “LA Is My Lady” foi detonado por fãs puristas de Sinatra, muito por apresentar uma sonoridade mais limpa. Na verdade, não se trata disso, mas de algumas concessões feitas pelo próprio Frank, como, por exemplo, o uso de sintetizadores na faixa-título, que tem um arranjo muito próximo das criações de Jones na época, próximo do jazz-pop de FM. Tanto esta postura quanto a presença de celebridades do momento no clipe que divulgou a faixa mostra um esforço de Frank para adentrar os anos 1980 da MTV, dos yuppies, do consumo de celebridades e das celebridades de consumo. Hoje, quarenta anos depois, ele é um esforço que tem méritos de sobra, especialmente pela força que a voz de Sinatra ainda ostentava. Não por acaso, ele continuou a fazer shows pelo mundo a fora, segundo a onda enquanto aguentou. “LA Is My Lady” é um disco de seu tempo, e neste contexto, ele se justifica e explica. Não supera os clássicos de Sinatra ao longo dos anos 1950 ou os esforços interessantes dos anos 1960, mas tem seu charme. E de charme, oras, poucos entenderam mais do que Sinatra. Uma lindeza de quarenta anos com corpinho de trinta.

 

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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