Não perca o novo álbum de Leon Bridges
Leon Bridges – Leon
44′, 13 faixas
(Columbia)

Não me canso de notar como o tempo tem passado rápido. Outro dia mesmo estávamos diante do álbum de estreia de Leon Bridges, “Coming Home”. O “outro dia mesmo” a que me refiro é o já distante ano de 2015 e esta estreia de Bridges mostrava como o sujeito já chegava com ares promissores à seara da soul music dos anos 2010. Muito calcado a princípio no soul vintage, reproduzindo tiques e taques sessentistas do estilo, Leon mostrou que poderia ser muito mais que um copycat ao lançar seu segundo disco, “Good Thing”, três anos depois, e abraçar com vigor timbres diferentes, especialmente detalhes do r&b noventista e revestir sua música com mais ambiências e camadas. O terceiro disco, “Gold-Diggers Sound”, de 2021 e suas colaborações com o grupo Khruangbin, materializadas nos EPs “Texas Sun” (2020) e “Texas Moon” (2022), apontaram para um artista com muito mais a dizer do que, simplesmente, ser um soulman revisionista. Com este mais recente disco, “Leon”, ele dissipa qualquer dúvida que ainda pudesse persistir entre os mais céticos e se confirma como um hábil artesão sonoro, incorporando reflexões sinceras sobre a proximidade cada vez maior da meia idade (ele tem 35 anos) e seu lugar nesse mundo louco, em belíssimas canções.
O próprio Leon postou em seu perfil no Instagram dizendo que este trabalho é o mais pessoal que realizou até agora. “É sobre minha casa, nostalgia, minha formação, sobre de onde eu venho. Espero que essas canções levem vocês de volta às suas raízes e suas jornadas.”. Além desse desejo de rever raízes, Leon Bridges se mostra um artista com muito mais domínio sobre sua criação musical, oferecendo uma palheta sonora que faz incursões em idiomas da música pop e do folk rock sem perder de vista seu nascedouro soul. E faz isso sem qualquer perspectiva de soar datado ou revisionista, pelo contrário: Leon tem a capacidade de oferecer canções que já quase adentram naquele terreno imemorial da música pop, na qual melodias e sonoridades parecem ocupar um espaço comum e familiar à maioria dos ouvintes. É certo que as temáticas nostálgicas que ocupam a maior parte das canções de “Leon” podem soar herméticas para quem não vivencia a mesma fase de vida que o artista, mas até isso soa atemporal pelas mãos dele, que consegue revestir a transcrição de suas vivências e experiências em idiomas pop que não causam estranheza e despertam a curiosidade do ouvinte.
Ouvindo as faixas de “Leon” podemos comprovar essa complexidade que a música feita por Bridges atingiu. Além das melodias maravilhosas e dos arranjos que evocam várias direções do pop americano dos últimos cinquenta anos, há a personalíssima voz de Leon, que remete a baluartes da soul music mais clássica, como Sam Cooke ou Otis Redding, guardadas as devidas proporções. O mais bacana das faixas é que elas não são o que o senso comum entende por “soul music”, ou, pelo menos, não são mais. É um sinal de evolução inegável, por exemplo, o que acontece em “Peaceful Place”, talvez o momento mais sensacional do álbum. O arranjo evolui como se fosse uma versão moderníssima e atualíssima do que Glen Campbell e sua turma de músicos conseguiam no final dos anos 1960, quando forjou o termo “countrypolitan”, ou seja, uma “country music mais informada e urbana do que de costume”. O paralelo aqui é mais sonoro do que, digamos, ideológico. Os instrumentos evocam essa vibração nostálgica, mas apontam para o incontestável hoje, a modernidade atual, enfim, não estamos presos na nostalgia, mesmo com as canções falando de como as coisas eram há algumas décadas. É uma reflexão feita hoje. E isso é o mais legal.
Outras canções são igualmente sensacionais. “That’s What I Love”, com um tom mais lento e evocando a produção soulpop setentista de FM tem vocais mais suaves e arranjo que privilegia os ótimos vocais de Leon em contraponto à melodia. “Laredo”, uma das primeiras faixas divulgadas, tem a mesma pegada de “Peaceful Place”, com esta influência countrypolitan pairando sobre a lindeza da melodia e o ótimo groove de baixo e bateria que tempera tudo e dá a dinâmica necessária. “Panther City” tem um arranjo que lembra Fleetwood Mac ou, melhor dizendo, lembra como a velha banda anglo-californiana soa aos ouvidos atuais, ou seja, uma fonte inesgotável de levadas dinâmicas de baixo e bateria que servem de base para melodias arejadas em que folk e o rock de misturam e se oferecem facinhos para quem vier. E “Simplify”, uma “lentinha” conduzida ao piano, que fala sobre como as coisas mais simples funcionam melhor, seja hoje, ontem ou há muito tempo.
“Leon” é um discaço de música americana moderna. Tem um bom gosto impressionante e mostra como Leon Bridges já pode ser considerado um grande nome da música atual, cantando, compondo, produzindo e tudo mais. Lindeza total.
Ouça primeiro:: “Laredo”, “Simplify”, “Panther City”, “Peaceful Place”, “That’s What I Love”

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.