O pop documentarista do Public Service Broadcasting
Public Service Broadcasting – The Last Flight
39′, 9 faixas
(Silva Screen)

Descobri o Public Service Broadcasting há uns dez anos, vendo um programa sobre lojas de disco inglesas. Em Manchester, se não me engano, algum sujeito antenado recomendava o álbum de estreia dos sujeitos, então um duo (, chamado “Inform-Educate-Entertain”, lançado em 2013 e a simples descrição do som que faziam foi suficiente para que eu me apaixonasse. É interessante especialmente se levarmos em conta que o agora quarteto só lança discos conceituais, ou seja, com um tema específico. A mistura de sons pop e rock das últimas três décadas com a parafernália midiática de arquivo gera possibilidades quase infinitas para que J. Willgoose Esq, Wrigglesworth, J F Abraham e Mr.B se espalhem nas tarefas criativas. Ao longo de sua trajetória, os sujeitos já abordaram a Segunda Guerra Mundial, o poder da mídia sobre as pessoas, a corrida espacial, a derrocada da indústria de carvão no País de Gales, o naufrágio do Titanic, a genialidade de David Bowie em Berlim e, agora, a vida da pioneira aviadora americana Amelia Earhart.
Amelia é personagem interessante. Foi a primeira aviadora americana, além de defensora dos direitos da mulher, tendo voado por sobre o Oceano Atlântico em 1928 e desaparecido em 1937 quando tentava realizar um voo ao redor do mundo. Lembro de ouvir falar dela pela primeira vez num episódio da primeira temporada de “Star Trek Voyager”, chamado “Os 37”, no qual a aviadora americana teria sido abduzida por alienígenas e era encontrada pelos tripulantes da Voyager cerca de quatro séculos depois, em um planeta alienígena. O músico Gregg Alexander, à frente de sua banda New Radicals, menciona a aviadora na canção “Someday We’ll Know”, que faz parte de seu único álbum “Maybe You’ve Been Brainwashed Too”, de 1998. A atriz Hilary Swank a interpretou no filme “Amelia”, de 2009, e em agosto deste ano. Ou seja, falar dela é fascinante e, ao mesmo tempo, difícil, uma vez que não há um material midiático satisfatório disponível para acesso e uso, como costuma fazer o Public System Broadcasting. Essa questão foi contornada com o uso de narrações feitas por atrizes, que leram anotações da aviadora e trechos de sua biografia.
Tais partes narradas são decisivas para a experiência que o PBS proporciona em seus álbuns. O líder e produtor da banda, J. Willgoose Esq, reconhece que nenhum integrante tem habilidades vocais, então, além desses trechos, colaboram no álbum a cantora Andreya Casablanca, o grupo This Is The Kit e a multiartista norueguesa Ana Bruland, que atende pelo nome artístico de EERA. Essas vozes, mais os registros de arquivo, são adornadas por molduras sonoras que podem variar do pós-punk oitentista ao rock indie dos anos 2000, além de outras paisagens, tamanha a versatilidade do grupo e sua capacidade de abranger sonoridades. Willgoose e sua turma são ótimos compositores e sabem escrever melodias que sejam capazes de suportar as narrações mas que, ao mesmo tempo, tenham potencial pop. Mais ainda: as participações dos vocalistas oferece uma experiência musical, digamos, mais convencional, e revela mais ainda o quanto essas canções podem ser bacanas.
O grande exemplo de obra do PBS está na faixa de encerramento, “Howland”, que recebe o título a partir do local onde Amelia desapareceu, em 1937. O tom é de tristeza e solenidade, entremeado por narrações e registros históricos. A variante mais pop surge em mais momentos ao longo do álbum e tem ótimos exemplares. “The Fun Of It”, com os vocais de Casablanca, é uma bela faixa com andamento de bateria sincopada e boas guitarras, lembrando um pouco Florence + The Machine. Já “The South Atlantic”, com a presença de This Is The Kit, começa com samples de registros vocais históricos e vai evoluindo para uma melodia instigante e discreta, mas a voz de Kate Stables – líder do TITK – leva tudo para um ambiente mais pastoral e belo. Mas é em “Electra” que o bicho pega, canção totalmente instrumental e pontuada por trechos de narrações sobre a eficiência de aviões e máquinas, bem como por interpretações da biografia de Amelia. Os vocais são belos, o resultado é de tirar o fôlego.
“The Last Flight” é uma lindeza para quem acredita na parceria entre música de ensino da História. E impõe uma demanda aos professores da disciplina que, por via das dúvidas, deveriam considerar usar um sintetizador em sala de aula. Maravilha.
Ouça primeiro: “Electra”, “Howland”, “The Fun Of It” e “The South Atlantic”

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.