Três Resenhas: Jorge Drexler, The Waterboys e Ibeyi

 

 

 

 

Jorge Drexler – Tinta y Tiempo
(Sony)
35′, 10 faixas

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

Jorge Drexler é um erudito. Seus álbuns são pequenos e preciosos momentos de clareza e junção de melodias belas com letras que vasculham questões existenciais, morais, afetivas, tudo feito com a naturalidade de um discreto observador do cotidiano, dotado de grande, enorme poder de percepção e síntese. Com “Tinta y Tiempo” esta característica segue intacta, com dez canções belas e elegantíssimas, cheias de detalhes sonoros que mostram que Jorge, além de erudito, é um baita músico. A modernidade sonora nunca foi um problema para ele, pelo contrário. Seus timbres ao violão e os complementos instrumentais sempre soam apurados e límpidos.

 

Neste álbum há, porém, alguns detalhes novos. O maior é o flerte com uma música mais sensual e caliente, materializado na faixa “Tocarte”, em que recebe como convidado o rapper espanhol C Tangana. A letra vai por uma verve quase erótica, com batidas muito bacanas, sintéticas, nada óbvias mostrando que é possível, sim, inovar e apontar caminhos interessantes no que parece esgotado criativamente. Também há um belo dueto com o mitológico cantor panamenho Ruben Blades, misturando timbres jazzísticos, clássicos e que acenam para um passado musical compartilhado por todo latino-americano. E há as composições que Jorge discorre sobre a vida e os paradoxos da existência, como “Amor Al Arte”, “Cinturón Blanco” ou “El Dia Que Entrenaste El Mundo”, esta com um arranjo belíssimo de violão e cordas, quase um aceno espacial á Bossa Nova. Disco belo e cativante.

 

Ouça primeiro: “El Dia Que Estrenaste El Mundo”

 

 

 

 

 

 

 

The Waterboys – All Souls Hill
(Cooking Vinyl)
41′, 9 faixas

3 out of 5 stars (3 / 5)

 

 

 

 

Os escoceses do Waterboys surgiram nos anos 1980 como uma banda que misturava timbres pós-punk com detalhes do folk celta. Chegaram a fazer belos álbuns, caso de “This Is The Sea” (1985), “Fisherman Blues” (1988) e do maravilhoso “Rooom To Roam” (1990). Liderados por Miks Scott, o grupo manteve a musicalidade mais ou menos intacta até o início dos anos 1990, mas, após várias mudanças e, por fim, só tendo o próprio Scott no lineup, detendo o uso do nome, o Waterboys hoje é um projeto pessoal que se vale da bela voz que o homem ainda conserva, lembrando uma espécie de Bob Dylan com uma placa de “O Fim Está Próximo”, com timbres sonoros bem mais simples, usando batidas eletrônicas como suporte.

 

Scott mantém a relevância do projeto com álbuns como este “All Souls Hill”, que são interessantes, mas que ficam muito aquém de sua produção prévia de trinta anos atrás. Tudo bem que é uma escolha estética, mas a objetividade – suposta – que ele alcança ao depurar arranjos e formatos de canção, não compensa a perda dos meticulosos arranjos de outrora, cheios de violinos, violões e cordas. Menos mal que Scott ainda é um grande compositor de pop songs, algo que ele demonstra com “Once We Were Brothers” ou “Passing Through”, esta última quase um blues à moda antiga, amplificado por um bom uso de violões de base e de uma bateria com timbre agudo e pesado. Os vocais de apoio dão o tom de cantoria à luz da fogueira, detectando o que já foi e não volta mais. Interessante mas longe do melhor da banda.

 

Ouça primeiro: “Once We Were Brothers”

 

 

 

 

 

 

Ibeyi – Spell 31 (na foto)
(XL)
26′, 10 faixas

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

As gêmeas afro-franco-cubanas Naomi Díaz e Lisa-Kaindé Díaz, mais conhecidas como Ibeyi, são um pequeno tesouro sonoro. Se você é fã de Massive Attack, Sade, dub, Thievery Corporation, entre outros, a sonoridade que as moças praticam vai te fazer sentir em casa. Este “Spell 31” é o terceiro disco que elas lançam e, assim como os anteriores, tem faixas curtinhas, com cerca de meia hora, como se as irmãs te ministrassem algum tipo de terapia corporal, espiritual ou algo no gênero. Digo isso porque a sonoridade que elas conseguem é altamente instigante, usa muito bem o silêncio e o contrapõe a batidas secas, curtas, sem esquecer climas e tonalidades intermediárias. Tem muito de Caribe, um tanto de reggae, mas nada disso é colocado de maneira óbvia para quem ouve.

 

Este novo álbum tem ainda o aprimoramento delas como compositoras, resultando em alguns momentos altamente convidativos para as pistas de dança em câmera lenta mais antenadas possível. A abertura, com “Sangoma”, já prepara o ouvinte para a viagem que está por vir. Ecos, timbres que vão crescendo, vozes límpidas, tudo é disposto em tons misteriosos e tentadores. Em “Made Of Gold”, temos uma fusão de rap cantado em francês e dialetos, contraposto aos vocais perfeitos em inglês que conduzem a melodia e desembocam no refrão, novamente com vocais bem pensados. E a melhor delas, “Sister 2 Sister”, que poderia ser uma canção da Sade, remixada por Massive Attack, lá por 1999. Tudo soa fresco, tudo é muito bem feito e sensacional. Conheça o Ibeyi e converta-se.

 

Ouça primeiro: “Sister 2 Sister”

 

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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