Tears For Fears – forte e relevante ao vivo

 

 

 

 

Tears For Fears – Songs For A Nervous Planet
106′, 22 faixas
(Concord)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

A carreira do Tears For Fears é tudo, menos convencional. De dupla de sucesso mundial nos anos 1980 ao rompimento/afastamento dos anos 1990, com posterior retomada nos anos 2000, Curt Smith e Roland Orzabal souberam atravessar o tempo sem fazer qualquer tipo de concessão a modismos. Sua fórmula sonora, inicialmente um technopop de influência new romantic, foi cedendo a influências pop mais diversas – soul music, Beatles, psicodelia – e resultou numa elegante mistura de sons que ressaltam o ótimo nível que ambos têm como compositores. Bons vocalistas, instrumentistas competentes, Roland e Curt têm apenas sete álbuns de canções inéditas, lançados desde 1983, quando estrearam com “The Hurting”. Curioso pensar que, mesmo com este reduzido número, o sucesso do TFF foi erguido sobre algumas faixas em especial e, vá lá, dois discos de muito sucesso: o segundo, “Songs From The Big Chair” (1985) e o terceiro, “Seeds Of Love” (1989), algo bastante injusto para uma trajetória em que não há deslizes. Até trabalhos pouco conhecidos, como Everybody Loves A Happy Ending” (2004), linda retomada da carreira, e os discos noventistas, “Elemental” (1993) e “Raoul And The Kings Of Spain” (1995), ambos apenas com Orzabal, têm ótimas canções.

 

Mesmo retomando a carreira em 2004, o Tears For Fears só foi lançar um novo álbum de inéditas em 2022, “The Tipping Point”. Isto se deve a uma espécie de “renovação de votos” entre a dupla, que quase encerrou atividades em 2017, quando Orzabal viu sua esposa falecer após uma longa luta contra o alcoolismo. Quando menos esperava, um novo amor surgiu em sua vida e o sujeito se reinventou, causando impacto direto em sua vida e carreira. “The Tipping Point” foi um álbum em que ele exorcizou essa tristeza e todo o processo vivido durante os piores momentos. Agora, após uma extensa turnê em que essas novas canções entraram no setlist, a dupla se viu com forças e disposição para cumprir uma etapa importante: lançar um álbum ao vivo. Tudo bem que não é exatamente o primeiro trabalho dessa natureza lançado pela dupla. Em 2005 eles soltaram um DVD chamado “Secret World Live In Paris”, que continha um CD com algumas faixas do referido show, gravado no estádio Parc des Princes, na divulgação de “Happy Ending” e com a excitação da volta da dupla aos palcos. Agora chega este novíssimo “Songs For A Nervous Planet”.

 

É um álbum, digamos, híbrido, pois há quatro faixas inéditas compondo o meio de campo com o registro de um show de 2023, gravado numa arena do Tennessee, Estados Unidos. Além do disco, a dupla também filmou esta apresentação e a lançou como um longa metragem nos cinemas do mundo, ou seja, é um evento importante e sem precedentes para artistas que já estão na ativa há mais de quarenta anos. É como se Orzabal e Smith estivessem, finalmente, lidando com seu legado e aceitando sua importância como popstars, posição que eles nunca aceitaram completamente. E tal aceite não se faz com situações estranhas ou estapafúrdias, mas com o simples reconhecimento da importância de canções como “Everybody Wants To Rule The World”, uma das mais bem feitas obras do pop britânico oitentista, que sobreviveu sem rugas a tanto tmepo. Ou a “Sowing The Seeds Of Love”, que apresentou a ouvintes médios daquela época uma nesguinha de psicodelia colorida de caixinha de lápis de cor. Seja como for, uma coisa sempre se manteve constante – a excelência da dupla na criação, composição e execução de sua obra.

 

Das canções novas, duas são sensacionais – “Astronaut” e “The Girl I Call Home”, que levam adiante a mistura psicodélica de teores light e pop perfeito, com ótimos momentos e sacadas de arranjo. As outras duas, “Emily Said” e “Say Goodbye To Mum And Dad”, são menos inspiradas. “Emily” segue na trilha de “The Seeds Of Love”, com muita semelhança melódica e relembranças de arranjos beatle. Funciona, mas com algunmas restrições. “Mum And Dad”, por sua vez, é fraca. Abre espaço para um terrível refrão assoviado, que adorna uma melodia pouco inspirada. Mas é ok. Das gravações ao vivo, surpreende a presença e várias composições de “The Tipping Point” – seis – , mostrando a importância que o álbum teve para a dupla. Dentre elas, destaque para a própria “The Tipping Point”, com ótimos teclados e vocais e para “My Demons”, com fluência pop e arranjo surpreendente. Da lavra mais clássica, os hits absolutos estão presentes: “Shout”, encerrando o álbum, “Rule The World” com sua excelência impávida, “Head Over Heels”, “Mad World”, a lindíssima “Pale Shelter” (ambas do ótimo e esquecido “The Hurting”), “Sowing The Seeds Of Love”, “Woman In Chains”, todas em ótimas versões, mas sem qualquer alteração nos arranjos originais. E o destaque para fãs de longa data: “Break It Down Again”, dos tempos em que Smith não estava na dupla, e “Secret World”, colossal faixa de “Happy Ending”, com citação de “Let’em In”, de Paul McCartney e seus Wings.

 

Este álbum seria o presente de natal perfeito, caso ainda fosse possível dar discos nesta data. Eu adoraria receber e colocar o CD para rodar enquanto lesse o encarte e escolhesse minhas preferidas. Independente disso – a versão física existe, só é caríssima para quem mora no Brasil – “Songs For A Nervous Planet” é um mui respeitável álbum ao vivo, que revela o talento de artistas importantíssimos para o entendimento da música pop nas últimas quatro décadas. As Tias.

 

 

Ouça primeiro: “Astronaut”, “The Girl I Call Home” e todos os registros ao vivo.

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *