Mais um discaço sensacional do Courettes
The Courettes – The Soul Of … The Fabulous Courettes
42′, 13 faixas
(Damaged Gods)

Os discos da dupla The Courettes têm uma característica interessante: após sua audição, não conseguimos lembrar de nenhum outro álbum tão bacana. Claro que a sensação dura pouco tempo mas isso não significa, em hipótese alguma, desmerecer o trabalho feito pela sensacional Flavia Couri e seu marido, o dinamarquês Martin Couri. Casados e transformados em duo desde 2014/15, The Courettes oferece a chance de contato com uma dedicada e espontânea pesquisa de inspirações primordiais do rock e do pop, com muita ênfase na produção inicial de gente como Phil Spector e os artistas que ele chancelou, indo de Ronettes, Darlene Love a The Drifters, passando por Ike And Tina Turner. Também há espaço para psicodelia inicial, pais fundadores do rock, grupos britânicos derivados das versões iniciais de Beatles e Rolling Stones, enfim, um caldeirão de influências bacana, que, se bem utilizadas, fornecem um manancial infinito de informações e inspirações. Neste quinto álbum, o Courettes oferece uma novidade aos fãs – uma abertura de espectro sonoro, no qual agora cabem pitadas de surf music, pop dourado sessentista e um jeitão de música feita hoje, sem qualquer nostalgia. Ainda que pareça contraditório, não há um traço de revisionismo ou saudade de outro tempo neste novo “The Soul Of … The Fabulous Courettes”. É tudo feito hoje, com cara de hoje, inspirado no passado.
Essa “abertura de espectro sonoro” já se insinuou no ótimo álbum anterior, “Back In Mono”, de 2021, no qual a dupla mergulhou de cabeça nas produções de Spector, criador do chamado “wall of sound” na virada dos anos 1950/60. Com este trabalho, o Courettes largou um pouco do blues rock inicial, que é bacana e ainda está presente no som que a dupla faz, porém, neste novo disco, ficou um pouco distante do resultado final. Esta variação musical fez muito bem à dupla e enfatizou ainda mais o talento de Flavia Couri, que empunha as guitarras, compõe as faixas e canta, deixando-a com mais espaço para performances vocais que, ao mesmo tempo, revisitam os clássicos girl groups sessentistas e ampliam a impressão sonora, inegavelmente atual. A sensação, como dissemos acima, é de uma sonoridade moderna que valoriza influências que já têm mais de seis décadas. Como costumamos dizer por aqui: de nada adiantaria tanto cuidado com conceitos e sonoridades se não houvesse um grande talento para composição e feitura de chicletes musicais e isso, tanto Flavia quanto Martin têm de sobra. O resultado é um trabalho extremamente coeso e bem feito.
Na verdade, se olharmos a produção do Courettes nos últimos dois anos, veremos este desejo de ampliar sonoridades. A dupla passou boa parte do ano de 2023 lançando uma série de covers adoráveis nas plataformas de streaming. Versões convincentes e cheias de charme de nuggets sessentistas como “Hold On I’m Coming” (Sam And Dave), “Never My Love”, “Daydream” (ambas do The Association), “Baby Now That I’ve Found You” (The Foundations), entre outras. Essas covers fazem a ponte entre “Back In Mono”, que se mostrou um disco quase conceitual sobre a produção spectoriana e este novíssimo “The Soul Of … The Fabulous Courettes”, deixando evidente a evolução da dupla em termos de uso do estúdio, composições, etc. Dá pra dizer que há muito em comum entre esta sonoridade e a do primeiro disco das Pipettes, girl group inglês que surgiu em 2003 com uma proposta de revisita desta produção dourada com pegada de seu tempo. A diferença é que o Courettes tem mais punch do que as garotas, mas ambas as formações estão bem próximas.
Falando em produção e composição de canções, como ignorar a excelência de uma faixa como “California”? Tem tudo o que é preciso para arrancar um sorriso do ouvinte e exibe vários detalhes maravilhosos – os vocais de apoio, o timbre da guitarra, as palminhas, o tecladinho emulando bandas sessentistas como Jan & Dean, ou seja, uma lindeza total. “Keep Dancing” também é felicidade em forma de canção, com menos de três minutos e excelente performance vocal de Flavia, que confirmou as previsões de seus tempos de Autoramas e se tornou uma ótima cantora de rock. O peso maior de “Here I Come” mostra de onde a dupla veio e seu compromisso com os sons mais enguitarrados e pesado, mas sempre com muito groove e excelência pop. “Don’t Want You Back” se vale dos sons de girl groups mas, onde antes as letras tendiam para uma postura mais domesticada, a personagem aqui não quer nem saber do sujeito que se foi e prefere que ele fique bem longe. “Wall Of Pain” paga tributo ao universo de Phil Spector ao criar uma versão própria do “wall of sound” e “SHAKE!” tem mais tecladinhos psicodélicos por metro quadrado do que muita canção da época. “Boom Boom Boom” e “Run Run Runaway” são mais lindezas spectorianas cheias de melodia e doçura enquanto “Stop Doin’ That” é bem próxima do que faziam os girl groups da Motown, especialmente as Marvelettes. O fecho com “For Your Love” mostra o quanto de excelência o Courettes alcançou em seu trabalho de composição e arranjo.
“The Soul Of … The Fabulous Courettes” mantém a tradição de ótimos discos lançados pela dupla e se apresenta para as listas conscientes de melhores álbuns de 2024. É uma audição irresistível. Não percam.
Ouça primeiro: tudo.

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.