Entrevista Leoni: “Eu sempre falei mal do amor romântico”
Já é clichê surrado nos espantarmos com a passagem acelerada do tempo. Mas não deixa de ser curioso que “Educação Sentimental”, segundo álbum do Kid Abelha (E Os Abóboras Selvagens) já esteja próximo de completar seus quarenta anos de idade. Curioso porque, de alguma forma, essas canções não envelheceram completamente e, de alguma forma, ainda cumprem seu propósito de esquadrinhar o que vai pelo coração da galera que saiu da adolescência há alguns anos e já se depara com a mecânica dos relacionamentos amorosos. Ou quase – talvez as coisas sejam muito diferentes e “Educação Sentimental” sirva mais como um documento de um outro tempo. O fato é que Leoni, ex-baixista, vocalista e compositor do Kid, tendo deixado a banda na mesma época do lançamento do álbum, não só enxerga valor na obra como canta várias dessas canções em seus shows solo. Com uma carreira artística que já ultrapassou as quatro décadas, ele segue produzindo, atuando nas redes sociais, fazendo shows para um público fiel.
Leoni, você deve saber, compôs canções com Herbert Vianna, Cazuza, Frejat, Leo Jaime, entre outros. Ele também participou do Heróis da Resistência, grupo que formou na mesma época de sua saída do Kid e durou três discos, existindo entre 1986 e 1992. Depois – e até hoje – ele engatou uma carreira solo com poucos e ótimos trabalhos.
Quando iniciamos a Célula Pop, há pouco mais de seis anos, ele concedeu uma entrevista generosa sobre os trinta e cinco anos de “Seu Espião”, a estreia do Kid Abelha, lançada em 1984. Eu e meu amigo-irmão, Ricardo Benevides, fomos até sua casa no Jardim Botânico, Rio. Agora, Leoni está devidamente instalado em São Paulo, mais próximo do circuito de shows e das engrenagens que movem o mundo cultural. Por Zoom, ele, sempre atencioso, generoso e um ótimo papo, conversou por quase uma hora e destrinchou “Educação Sentimental” e revelou alguns detalhes que ainda estavam inéditos. Você acessa a entrevista mais abaixo. Divirta-se.
– Célula: Leoni, é um prazer conversar com você sobre esse disco tão importante.
– Leoni: Eu fico feliz. Esse disco tem passado agora pela minha vida. Eu tive fazendo um evento com o pessoal de uma marca de violão que quer me patrocinar. Era um evento de música e quem estava lá era o Claudio Infante, que eu levei pra ser o baterista (do Kid Abelha, em 1985). Aí a gente acabou fazendo uma jam de “Lágrimas e Chuva”, com o baixista Adriano (Campagnolo), que chegou a tocar no Kid Abelha depois de mim. E aí eu também dei um depoimento para o MIS – Museu da Imagem e do Som – aqui em São Paulo, e teve muita pergunta sobre esse disco. Eu fui repassando isso na cabeça, é um disco que tá muito fresco pra mim. E também eu tive agora quarenta anos de carreira, fazendo turnê e tudo mais, e eu fiquei ouvindo pra ver que músicas eu ia tocar, que músicas iam entrar no repertório. Ele tem estado muito presente pra mim. É um disco que eu gosto muito. Dos dois discos do Kid Abelha, dos que eu participei, é o que eu gosto mais. Gosto muito de “Seu Espião”, que abriu todas as portas pra gente, sou muito grato a ele. Mas eu acho “Educação Sentimental” muito mais bem gravado, mais maduro, as composições também, eu acho que são melhores. É um disco que eu adoro até hoje.
– Célula: Eu acho que dá pra notar de um jeito bem evidente, a evolução de vocês, como músicos, de um disco pro outro. Até mesmo nos arranjos, tem ali muita novidade. Como você analisa essa evolução? O que aconteceu com vocês para ter uma evolução tão grande de um disco pro outro, de um ano pro outro?
– Resposta: A gente tocou muito. Tocar ao vivo dá uma cancha inacreditável. Depois, a gente ensaiou muito pro disco. Antes de entrar no estúdio, a gente alugou um estúdio que ficava numa casa, na Gávea, pra ensaiar o disco. A gente não alugou um estúdio de ensaio, alugamos um lugar que estava vazio. Colocamos equipamento e ficamos ensaiando. Eu fiz questão disso, era algo muito importante, porque a gente praticamente não ensaiava. A gente gravou e saiu tocando e aí, a gente já não tinha mais o baterista – o Beni Borja (primeiro baterista do Kid – tinha saído, não tinha tecladista. A gente só fazia os shows, não ensaiava. E eu achei que a gente precisava dar um tempo, amadurecer as canções. Fazer os arranjos juntos. E isso começou antes até – eu, o George (Israel, saxofonista) e o Bruno (Frotunato, guitarrista), fomos pra casa do George, em Teresópolis, e ficamos uns dia lá, fazendo jam com bateria eletrônica. “Lágrimas e Chuva” surgiu lá, numa jam que a gente estava fazendo. Tinha um riff do Bruno, daí eu fui com a base pra casa, meio como o Renato Russo nos discos da Legião, a coisa foi muito ensaiada. E a gente botou um baterista fixo, o Claudio Infante. Além de ser um super baterista, ele trouxe unidade pro disco. A gente podia transitar por mais gêneros. O Claudinho tinha vindo de uma banda instrumental, meio jazzística, chamada Garage. De onde veio o Lulu Martin, que depois foi meu colega no Heróis da Resistência. Tinha o Claudio, o Arthur Maia – um dos maiores baixistas que eu vi tocar na minha vida – o Lulu Martin e o Paulinho Guitarra e alguém no sopro, eu não lembro. Então, se a gente queria ir pra uma coisa mais jazzística, como, por exemplo, em “Garotos”, ele tinha esse repertório. Então a gente ia atrás dele nessa hora. E quando era mais rock, pop, ele vinha atrás da gente, mas ele sempre foi uma pessoa que transitou por todos esses gêneros. O fato dele estar ali deu uma amadurecida no som. E é isso – a gente ensaiou muito. Íamos todo dia para o estúdio. Quando não estávamos ensaiando, estávamos compondo, escrevendo coisas. Quando a gente entrou no estúdio ainda tinha o Liminha, produtor. Principalmente nessa época, muito antenado com as coisas que estavam acontecendo. Trouxe ainda uma contribuição muito grande. Mas a gente já levou muita coisa pronta dos ensaios.
– Célula: Uma coisa que eu acho interessante nesse disco é que, claro que o “Seu Espião”, trabalho de estreia, é bacana por causa daquela coisa adolescente, algo fresco, mas o “Educação Sentimental” tem uma maturidade maior, no sentido emocional mesmo do termo, no sentido de que vocês vêm com um disco sobre relacionamentos com uma perspectiva mais crítica, adulta. Se o “Seu Espião” era adolescente e colorido, o “Educação Sentimental”, não é que fosse mais sombrio, era mais sépia, mais sério. Isso foi intencional?
– Leoni: Sim. Tinha mais a ver com o que a gente estava passando, né? Teve um problema interno da banda. Eu era casado com a Paula, me separei. Compor com a Paula ficou mais difícil, era mais tranquilo antes. A gente tinha um relacionamento colorido, alegre, e depois ficou uma tensão na banda. Eu passei a compor também sem ela – “Os Outros” eu compus sozinho, “Lágrimas e Chuva” com o George e o Bruno. No “Seu Espião”, quase tudo era meu com ela ou meu com o George ou o Beni. Nesse disco eu passei a fazer umas coisas sozinho, passei a fazer coisas com os outros elementos da banda. E tem essa tensão, e esse amadurecimento mesmo. E tem a vontade de falar de assuntos que não fossem só da gente. Uma coisa minha, como letrista. “Lágrimas e Chuva” é um bilhete suicida. Cita a letra “será que existe alguém ou algum motivo importante, que justifique a vida ou pelo menos esse instante”? Alguém que tá lá, num momento de total solidão, na cidade, chove lá fora e é isso. E inspirado nessa frase do “Blade Runner”, “these moments will be lost like tears in the rain. Time to die”. Do replicante. E uma vontade de incorporar coisas musicais da época. Então, “Lágrimas e Chuva”, tem uma coisa de “Easy Lover” (do Phil Collins), de arranjo, a gente vinha tentando incorporar outras coisas. Já “Garotos” é uma coisa mais jazzística, então a gente tava tentando ser mais eclético. Principalmente a banda. Eu acho que isso fez muita diferença, a gente também cresceu nesse meio tempo. A gente foi exposto a essa coisa maluca do sucesso, ao assédio de fãs e de pessoas em geral […].
– Célula: O título “Educação Sentimental” vem daquele livro do escritor francês Gustave Flaubert (publicado em 1869). Vocês leram? Como surgiu essa citação?
– Leoni: Eu só li depois e tinha um outro livro de uma outra mulher, uma contista, que também tinha esse título. Eu estava lendo muito a respeito sobre essa coisa de amadurecer em público, o Lou Reed tem um disco, “Growing Up In Public” (1980), tem essa coisa da gente aprender errando, na vida. A vida é um rascunho que a gente nunca vai passar a limpo. Ah, se a gente soubesse disso, tinha feito diferente. Mas não vai adiantar de nada, esse rascunho que não se passa a limpo. Eu achei que era interessante. Mas também veio de uma revista em quadrinho, revistas em quadrinho de antigamente que vinham com anúncios, eram para criança, mas tinham anúncios e tinha um lá de um livro, que você podia encomendar, de cantadas infalíveis. Por isso tem essa frase lá, com aquela advertência, mais pra atrair do que espantar “cuidado, não use os seus conhecimentos para o mal, você vai se tornar irresistível, não use os seus poderes para mal”. Eu botei na música (em “Educação Sentimental 1”), não era uma questão de ser sentimentalmente maduro, mas de ser mais capaz de atrais o amor. Na verdade, é uma imaturidade enorme, você querer ser amado por todos e conquistar quem você quiser, se possível conquistar todo mundo, ter todo mundo a seus pés. Era uma brincadeira com os dois lados. Eu lembro que eu ficava “um dia eu vou encomendar”, mas você tinha que ser maior de dezoito anos pra encomendar o livro.
– Célula: Você falou da composição ser uma coisa colorida no disco anterior e neste já ter um processo diferente. Esse é um disco em que você compôs todas as canções – “No outro também”, interrompe – no “Seu Espião” também. Alternava de melodia e letra, só letra, jogava nas onze, no caso?
– Leoni: Sim. “Os Outros”, por exemplo, eu fiz as duas coisas. Quando eu fazia com a Paula, eu fazia a melodia, ela fazia as letras, mas eu sempre mexi nas letras, porque eu gosto muito. Depois não. De alguns parceiros eu não mexo nada, só faço a melodia, o parceiro faz a letra. Se bem que eu sempre dei meus pitacos no campo do adversário. Eu sempre vou lá e digo “pô, se mexesse nisso…”. Quando eu fiz com o George e com o Bruno, eu fazia a letra toda, sempre. Inclusive a melodia também. A gente fazia as bases, ideias de levadas, mas eu ia fazer melodia e letra.
– Célula: Uma coisa que eu acho bacana no “Educação Sentimental” são aquelas canções com duas versões, mas totalmente diferentes. “Educação Sentimental 2”, que é a maiorzinha, tem a citação a “London Calling”, do The Clash, na introdução, ela me parece mais madura, enquanto que a “Educação Sentimental 1”, essa que você falou dos “poderes para o mal”, parece que tem um frescor maior. Por que batizar as duas com o mesmo título?
– Leoni: Pink Floyd. Influência do Pink Floyd. A gente via essas coisas nos discos, queria repetir em algum momento. Eu já tinha usado no outro disco uma coisa que eu sempre quis usar, enquanto ainda sonhava em ser artista, que era o título com uma parte entre parênteses, tem “Alice” e tem “(não escreva aquela carta de amor)”. Eu via aquilo e queria usar, queria fazer igual. Eu via em alguns discos, mas eu me lembro principalmente daquele – tenta lembrar – que tem “Shine On You Crazy Diamond” – lembra o nome – o “Wish You Were Here”, que tem “1”, “2”, eu pensei “ah, vou usar”. Porque o assunto (voltando às canções “Educação Sentimental 1 e 2”) era o mesmo, na verdade, só que de uma outra perspectiva. A perspectiva do garoto, que quer conquistar, que não sabe o que fez de errado, mas acha que vai aprender com esse livrinho – comprou, tá salvo. E o outro era de uma mulher, “pô, ninguém me explicou o que fazer da vida”.
– Célula: Isso, um ponto de vista masculino, outro feminino. Isso era uma jogada que você fazia muito bem. Era uma coisa que você gostava de fazer ou fazia por uma demanda de ter uma vocalista mulher na banda?
– Leoni: Na “Educação Sentimental 2”, a ideia da letra é da Paula e, ela conduziu aquilo e a gente – Eu e o Herbert (Vianna, dos Paralamas do Sucesso) – ajudou a terminar. Você vê que história, né? A gente estava separado, ela estava com o Herbert e a gente fez a música juntos.
– Célula: Esse é um desejo muito antigo meu perguntar isso pra você. Como que essa dinâmica sentimental – não tem outro termo pra usar – acontecia nesse tempo? Porque a imprensa noticiava que eles, a Paula e o Herbert, tiveram um relacionamento, e teve um relacionamento antes com você e vocês dois são amigos, aquele DVD seu (“Leoni – Ao Vivo” – 2005) em que o Herbert participa, meio que retornando. Quer falar a respeito disso?
– Leoni: Não, tudo bem. Eu tinha vontade de ser maduro, vontade de lidar bem com aquelas coisas. Não é porque a gente tinha estado junto, que a gente não poderia conviver, trabalhar né? Até porque a gente tinha uma banda muito bem sucedida, um trabalho que funcionava muito bem. Quando a gente estava compondo, ela estava com o Herbert. A gente acabou porque ela começou com o Herbert. Foi muito duro, no começo eu nem falava com ele, depois voltamos a falar. A gente só brigou mesmo durante um tempo quando eu saí do Kid Abelha, quando teve aquela briga toda, no evento na Lagoa Rodrigo de Freitas (Cidade Live Concert, um show organizado pela Rádio Cidade em 23 de fevereiro de 1986, no qual o Kid Abelha tocou), e aí, não deu durante muito tempo. Mas aí eu tentava ser legal – “vou lidar bem com isso, vou ser maduro” – e a gente compôs junto. Tem várias músicas do disco que são nossas. Ela ia lá pra casa. Na época, quando eu saí de casa, que a gente se separou, eu fui morar com o Léo Jaime. Eu não tinha um apartamento, na verdade, eu até estava montando um apartamento, tava começando, mas não tinha. Eu só liguei pra ele e disse: “posso ir praí?”, porque eu não tinha para onde ir. Daí a gente ficou dividindo apartamento, e ela ia pra lá, a gente ficava lá, conversando, era doído. A gente viajava para as turnês, a gente estava junto mas não estava mais. Acabou o show, super legal, cada um pro seu quarto. Mas aí foi ficando complicado quando eu comecei a ter relacionamentos e aí ela não gostou, a coisa foi azedando a partir daí. Mas eu tentei ser bacana, tentei ser legal, conviver. Tanto que, acho que, de 1985 para 1986, o Herbert foi numa viagem que a gente fez, de reveillon, pra tocar em Manaus. Todo mundo levou namoradas, mulheres, eu já estava com a Fabiana Kerlakian, o George levou a Bahie (Banchik, namorada e atual esposa) e a Paula levou o Herbert. E ele fez questão de tocar todas as músicas, ele aprendeu todas as músicas pra tocar com a gente. Meio que forçou uma volta a um relacionamento comigo. Mas foi isso, foi complicado. Depois azedou mais ainda quando eu montei o Heróis da Resistência, que era um projeto paralelo. Aí a coisa ficou mais esquisita, porque eles viram que eu tinha um interesse fora da banda. Mas foi isso. Eu tentei lidar da maneira mais madura, mesmo não sendo. Acho que eu nem admitia pra mim mesmo que eu estava sofrendo.
– Célula: Você falou do Heróis, era uma demanda sua, você já falou em entrevista, que você queria cantar mais e o Heróis era uma forma de você atingir isso completamente. Como isso acontecia dentro do Kid Abelha? Você não via espaço, não havia espaço pra cantar, como funcionava?
– Leoni: Tinha pouco espaço mesmo. Se você pensar, a Paula não toca nenhum instrumento, então, no momento que ela não estivesse cantando, ela não teria o que fazer. Poderia ser um backing vocal, mas era uma função muito secundária. Então eu consegui cantar duas faixas nesse disco (“Conspiração Internacional” e “Educação Sentimental 1”) porque eu forcei muito a barra. Porque não era fácil. E não era só a Paula, a banda não queria. A Paula já era consagrada, a cantora da banda, a cara da banda. E também tinha essa questão – no começo do Kid Abelha, cantar e tocar ao mesmo tempo ainda era uma coisa complicada pra mim. Eu conseguia, mas não era natural. De tanto fazer isso – eu fazia muito backing – isso virou uma coisa tranquila, cantar e tocar baixo. Tem poucos baixistas cantores – quando tem, são muito importantes: Paul McCartney, Sting, não são tantos assim.
No “Educação Sentimental” isso já estava tranquilo, eu poderia cantar qualquer uma, mas eu não tinha experiência – até estava fazendo aula, mas tava começando naquela história. Eu lembro que eu forçava a barra mesmo: a gente ia fazer uma participação num festival, na rádio, “vamos tocar cinco músicas”, eu queria tocar as minhas duas, cantando. Daí as pessoas falavam: “não, cara, a Paula é a cantora”. Eu forçava porque eu tava querendo cantar as minhas músicas. Mas o Heróis não aconteceu só por isso. Também foi porque o Kid Abelha não ensaiava, a gente nunca tocava em lugar nenhum, quer dizer, nunca ficava levando um som. E eu sei que é uma coisa que o George gosta. A gente não tinha oportunidade, não tinha baterista, não tinha tecladista, aí tinha que contratar um estúdio de ensaio, um baterista, um tecladista, pra levar som e acabava não rolando. E com o Heróis da Resistência rolava. Primeiro eu chamei o Claudio Infante e ele não quis. Ele até começou comigo, mas, quando eu saí do Kid Abelha, e disse “não, eu sei que aqui tem uma briga, eu não vou pros Heróis da Resistência porque o Kid Abelha já dá certo, eu tenho que fazer a minha vida, eu vou ficar aqui”. Daí eu chamei o Alfredo Dias Gomes, que tinha um estúdio em casa. De gravação e ensaio. Aquilo pra mim era o paraíso. Eu ia todo dia pra lá, pra gente tocar e imaginar arranjos. Os arranjos dos Heróis são muito elaborados porque a gente teve muito tempo pra pensar. A gente tinha muito tempo pra pesquisar. E músicos muito bons. O Alfredo é muito bom baterista, o Lulu Martin, que também veio da banda Garage, do Claudinho Infante, já tinha tocado com o Lulu Santos e tinha essa coisa jazzística muito forte. A gente compôs coisas bem legais, “Dublê de Corpo” (do primeiro disco dos Heróis) é uma progressão harmônica dele, e eu cantei em cima de depois. “Nosferatu” (outra faixa do primeiro dos Heróis) também é dele e tinha o Jorge Shy, que era o mais novo da banda. Ele tinha recém-entrado na maioridade, era muito novinho mas ele tinha um feeling muito diferente. Ele era um guitarrista estudioso, gostava de estudar, mas não tinha essa prática, mas era muito esquisito de som e eu gostava disso. Tinha soluções estranhas, meio pontudas assim, que eu acho que são legais para uma banda de rock. Hoje em dia ele é um guitarrista de jazz, ele faz eventos, ele toca com blues e trios de jazz, dá aulas de guitarra, foi totalmente pra esse lado. Lançou alguns discos dele, tudo instrumental jazzístico. Há não muito tempo atrás, ele foi pra Nashville pra aprender tocar pedal steel guitar. Passou um mês em Nashville, estudando, indo a show pra aprender, eu até quero gravar uma música, chamar ele pra tocar isso. Mas é isso, ele foi pro jazz blues. No Heróis todo mundo tocava muito bem mesmo. Não que no Kid não fosse, o Bruno Fortunato é um grande guitarrista, ele é muito econômico, tudo o que ele faz você lembra. Não tinha de ele pegar um refrão e – imita guitarra alta – não tinha. Às vezes eu sentia falta, queria um refrão que pesasse, não rolava. Ele até botava a distorção mas fazia uma coisa milimétrica com o baixo, o teclado. E solos lindíssimos, inacreditáveis. O George, saxofonista, que melhorou muito. Ele tinha uma cara, mas era meio inexperiente. E ele melhorou muito, muito rápido. Tanto na sonoridade, nos solos, nas ideias.
– Célula: E isso era uma marca registrada do Kid Abelha nesse início, né? Você falou do solo do Fortunato, o solo de “Lágrimas e Chuva” é muito bonito.
– Leoni: Exatamente. É muito bonito. Termina numa frase diferente, que vai pra um outro lado. Super legal.
– Célula: Falando de músicas do “Educação Sentimental”, eu confesso, não tenho porque esconder, que eu gosto demais de duas dessas faixas, que são “Os Outros” e “Garotos”. E queria te perguntar se você pode contar as histórias dessas duas com mais detalhes. Por exemplo, como foi que, em “Garotos”, o Roberto de Carvalho ter ido parar no estúdio tocando piano, que é uma coisa linda. Parece aquelas bandas inglesas daquele momento, Everything But The Girl, Style Council e nada no Brasil estava sendo feito parecido. Conta pra gente.
– Leoni: Olha, o Roberto de Carvalho…O Liminha levou a Rita Lee e o Roberto de Carvalho no estúdio, pra conhecer a gente e a gente conhecer a Rita. Eu não conseguia nem falar, né, encontrar a Rita Lee era uma coisa…Acho que ela ficou amiga da Paula, mas eu não conseguia me comunicar com ela. E ela ficou amiga também dos Titãs, de um monte de gente que eu conhecia e eu nunca consegui estabelecer uma relação com ela de tão fã. Me bloqueava totalmente. Mas a gente convidou os dois pra participar dessa faixa. Ela, por algum motivo, não quis, mas o Roberto falou: “eu toco”. A gente mostrou a música pra ele, a gente já estava gravando a faixa. Ele pegou um (piano elétrico) Fender Rhodes e ficou dentro da Técnica. Eu lembro que estávamos eu, Paula e Bruno dentro da Técnica e ele começou a tocar e falou: “não, não, eu quero estudar, quero fazer uma coisa mais caprichada. Grava isso pra mim, eu vou pra casa, vou estudar e a gente grava outro dia”. E foi isso, ele foi, estudou e fez aquilo, que é lindíssimo. Eu fiquei muito feliz. Eu até tenho planos de fazer “Letras, Músicas e Outras Conversas – Volume 2” (Livro lançado por Leoni em 1995) e entrevistar o Roberto de Carvalho. A partir de um determinado momento, todo o repertório da Rita é com ele. A gente fica falando da Rita Lee, ela é foda, sempre foi, mas sim, as músicas eram com ele. Ele deu pra Rita Lee uma outra cara. Não era mais o “Fruto Proibido”, aquela coisa rock’n’roll, já tinha uma outra coisa. Tinha uma coisa que era mais Disco, era mais Latina. A Rita tem muita marchinha. Disfarçada de Disco, mas marchinha total e eu quero entrevistar ele porque ele é um grande compositor. Com certeza aquelas melodias, aquelas coisas, aquelas harmonias, que não eram as tradicionais de rock, “Baila Comigo”, iam pra um outro lado. E eu fiquei muito feliz que ele aceitou e tocou ali. “Os Outros”, não. Esta foi uma música que eu compus, depois da separação da Paula, que eu me lembro que eu eu tava na noite…Quando eu comecei com a Paula, eu ainda não tinha fama. Aí, a gente fez a fama juntos, casados. Daí, quando a gente se separou, eu pensei: “bom, agora é diferente aqui, a minha relação. Tenho fãs, tenho gente que vai assistir o show” … é aquela história: tem muito garoto que começa a tocar porque acha que vai impressionar as meninas. Eu não comecei a tocar pensando nisso, mas, de repente, me peguei impressionando as meninas. Mas isso não é a minha cara. Eu tive, acho, que dois momentos de gandaia na vida, de curta duração, depois das separações. Mas de resto não tive me envolvendo em outro relacionamento ou ficando. E aí era isso mesmo – toda noite era uma outra mão, um outro cheiro, o que mais me incomoda nisso é aquela coisa de se apresentar, sempre. Você tá começando um outro relacionamento, ainda mais quando não rola, quando você não quer aquilo, e ter que se apresentar de novo, você não criou aquela intimidade, então era outra boca e “não, esse beijo não é tão bom”, as comparações. Só que aí eu pensei “ah, não, eu vou escrever do outro lado, vou escrever pra Paula cantar”. Então tem essa coisa “depois de você, os outros são os outros e só”. Era um jeito de também botar na boca dela algo que eu gostaria de ouvir, né?
– Célula: Pois é, eu estou esperando você terminar pra ver se tem, não é uma pegadinha, mas é uma circunstância que acabou, enfim, quem nunca?
– Leoni: Sim, e a harmonia dela é muito inspirada em Style Council, porque eu tinha ido pra Nova York e, na época, não tinha essas coisas de Cifra Club e esses sites que você pode olhar as cifras. Eu entrei numa loja em que tinha tudo que é songbook e comprei o do Style Council, que tinha “You’re The Best Thing”, “Paris Match”, acho que era do disco “Café Bleu”. E eu ficava tocando aquele repertório. Engraçado que eu fui pra casa de um amigo do empresário do Kid Abelha, Paulinho Lima, que foi empresário de um monte de artistas baianos, depois foi empresário do Ritchie, virou compositor. Acho que compôs com o Cazuza. Ele falou: “vai pra casa do meu amigo, ele mora lá em Manhattan, no Village. Fica lá, daí você não tem que gastar dinheiro, você não fica sozinho, tem alguém pra conversar”. Daí eu fui pra casa dele, aluguei um violão – eu não queria comprar, tinha um violão bom no Brasil – e eu ficava tocando. Aí eu fui expulso do apartamento dele […] daí eu fui pra um hotel não muito longe da casa dele, ele me indicou um hotel e eu fui, ficava na Washington Square. Na época, Nova York não era muito tranquila, muito segura. Washington Square era um lugar de droga, meio estranho. Eu fiquei tocando e fiquei com aquelas harmonias, aquelas sequências, coisas que eu nunca tinha usado, umas inversões de baixo, daí eu falei: “quero fazer uma música assim, nessa onda”. A letra veio depois, veio a reboque da melodia mesmo. Mas, era isso, numa separação, você acaba sempre comparando com o que você teve. Pode ser pra melhor, pra pior, mas, durante um tempo, fica aquela comparação. “Ah, esse aqui é mais divertido, mas o beijo era mais gostoso, ou a mão, eu tinha mais intimidade”, coisas bobas. A música fala disso.
– Célula: Bom, são canções, não só essas, mas, se não me engano, sete músicas do “Educação Sentimental” tocaram na rádio, incluindo “Fórmula do Amor”, com o Léo Jaime, com a versão dele, da qual vocês participaram. E tem uma versão de vocês, da qual ele participou. E essas músicas, como você faz com elas hoje, nos seus shows? Quais delas você toca? Como você olha pra elas hoje?
– Leoni: Eu gosto muito. Eu tô numa turnê de quarenta anos, eu tô terminando agora. Eu escolhi várias canções dali. Durante a minha carreira solo, eu fui trocando arranjos, fazendo diferente. Mas nessa coisa de quarenta anos, eu tentei ser mais próximo do original, porque as pessoas gostam, né? Ouve aquela sonoridade, aquele riff, lembra da música e não só da música, lembra do que vivia na época, bate numa memória de coisas que estavam acontecendo emocionalmente com a pessoa. Eu tentei nessa turnê ficar mais próximo do original. É claro que eu toco “Lágrimas e Chuva”, é das minhas músicas prediletas do Kid Abelha. Deixa ver, desse disco eu toco “Os Outros”, numa versão violão e voz. Eu já tocava ela. No “Ao Vivo”, de 2005, eu já tocava “Os Outros” nessa versão voz, violão e guitarra. O público canta, é super bonito. O que mais tinha, deixa ver o repertório, “Educação Sentimental 1” eu toco, sou só eu que toco, o Kid Abelha nunca mais tocou essa canção.
– Célula: Depois que você saiu e já nos últimos momentos deles, quase não tocaram.
– Leoni: Quando eu saí da banda, ela era a música de trabalho.
– Célula: E você não podia cantar, tinha saído do grupo.
– Leoni: Eu saí, não podia cantar, não tinha banda, até gravei em rádio. Eu saí em fevereiro (de 1986), em maio estava gravando com os Heróis. Mas, naquele tempo eu não podia cantar e eles também não cantavam porque era eu cantando. Tiveram que abortar o trabalho com aquela música. Esses eram os singles, que você falou: “Lágrimas e Chuva”, “Os Outros”, “Educação Sentimental 1”, “Garotos” e “Educação Sentimental 2”. “Uniformes”…ah, eu toco “A Fórmula do Amor”, mas na versão que a gente gravou com o Léo Jaime. “Uniformes” eu fiz uma versão nova, que eu toquei quando fiz a turnê com o Léo e, na última turnê que a gente fez, em 2016. Aí fizemos essa gravação, ah, tem outra que eu toco: “Conspiração Internacional”, essa música é muito legal. Tô tocando metade do disco.
– Célula: E pra terminar, Leoni, uma pergunta, que é difícil. É como perguntar a um pai qual o filho que ele mais gosta. Tudo bem que você escolhe cinco pra cantar, mas você tem uma preferida? Uma que você olha e, ainda hoje…
– Leoni: Olha, eu gosto muito de “Garotos”, acho uma música muito legal. E eu gosto muito (enfático) de “Os Outros”. Eu acho a letra muito legal, ainda hoje eu acho muito legal. As ideias que tem ali, essa coisa das comparações (“procuro evitar comparações entre flores…”), essa coisa desse sentimento que você tem logo depois da separação. Separação, mesmo quando é você que decide se separar, dói. E tem essa coisa tipo “Detalhes”, eu acho que essa música tem alguma coisa de “Detalhes”, “detalhes tão pequenos de nós dois”, mesmo que ela não queira, vai doer, vai trazer aquela lembrança, de falar disso, separação dói. E adoro “Lágrimas e Chuva”. Eu já toquei em vários arranjos, eu toco ela lenta, e até foi dica do Léo: “cara, vocês tocam um bilhete suicida num baile de carnaval”. Daí ele fez umas versões mais tristes da música e ela funciona dos dois jeitos. Num jeito é por causa do arranjo, que é muito empolgante, no outro é porque a letra traz pra isso, a pessoa presta atenção na letra e diz: “uai, então era triste essa música?”.
– Célula: É como em “Como Eu Quero” (faixa do primeiro álbum do Kid, “Seu Espião”), que a galera não se deu conta que a menina está sendo uma opressora em cima do cara …
– Leoni: Exatamente. E é uma coisa que, acho que as pessoas não se tocam, tanto no Kid Abelha, quando nos Heróis, minha carreira solo, eu sempre falei mal do amor romântico. Sempre. Porque o amor romântico é uma prisão, você tem que fazer tudo igual ao que as pessoas acham que é romântico. Por que todo mundo, quando vai pedir alguém em casamento, tem que comprar aliança, se ajoelhar num restaurante, abrir na frente das pessoas, é porque o cinema americano disse que é assim. E se você não faz assim, você não é romântico. Poxa, eu não posso ser original, ter os meus desejos? E o amor romântico é isso – você tem uma pessoa, ali do seu lado, que é muito legal, mas ela não se adapta ao seu ideal romântico, então você fica tentando transformar aquela pessoa pra ela caber naquele ideal. Então você não ama aquela pessoa, você ama a sua ideia de amor, que você tem que fazer com que qualquer pessoa que caia no seu caminho se encaixe ali. E é muito ruim pra quem está do seu lado, porque, no final, você não gosta dela – você tá querendo mudar ela, porque, se gostasse, não ia querer mudar – e pra você, que vai se frustrar internamente e não vai aproveitar a pessoa legal que está do seu lado. O que ela tem de legal e você só vai ver o que não corresponde, então é muito sofrimento pra todo mundo essa coisa do amor romântico. Então eu sempre falei mal do amor romântico. “Só Pro Meu Prazer” (canção do primeiro disco dos Heróis da Resistência) é sobre isso também, “Nosferatu”…A música na qual eu consegui falar abertamente que sou contra o amor romântico, já no “Notícias de Mim” (2015), é uma parceria com o Sergio Britto (Titãs), que chama “Amor Real”. “Nosso amor é cheio de erros, a gente tem defeito, a gente briga, mas é real”. Como diz o Woody Allen: “a realidade é uma merda, mas é o único lugar em que você pode comer um bom bife” (risos). Você tem que viver as possibilidades, se adaptar àquela pessoa. Ela não está ali pra te agradar, como você não tá no relacionamento pra agradar àquela pessoa. Ela vai ter que ceder em algumas coisas, você vai ter que ceder pra ela ficar mais feliz. Vai ser um amor possível. O amor real é um amor possível e é o melhor que tem. É o único que existe de verdade. Eu sempre falei mal do amor romântico. Eu acho que é uma tarefa do compositor de música popular, porque, senão, você cai sempre nos clichês. Eu mesmo, quando falo de um amor que deu certo, eu acho que tenho que falar não do ponto de vista do amor romântico, então tem “Melhor Pra Mim” (faixa do segundo disco solo de Leoni, “Você Sabe O Que Eu Quero Dizer”, de 2002) é uma música que fala sobre um amor que deu certo. Mas não é porque você me atende em tudo, e tudo mais, é, inclusive, sobre um amor generoso, não é sobre compartimentar o outro. “Te fazer feliz me faz feliz”. Pra você fazer o outro feliz, você tem que olhar para aquela pessoa e não idealizá-la.
– Célula: Você tá falando disso e eu me lembrei de uma música do seu primeiro disco solo, de 1993, que é um discaço, chamada “O Fim de Tudo”. “Como isso é o fim de tudo e daqui eu sigo sozinho”.
– Leoni: É, tem essa dificuldade de sair e o que você vai dizer…Também você não quer magoar. E olha só, essa música eu escrevi pra minha mulher. A gente se separou durante um mês. A gente começou, aí a gente se desentendeu e eu fiz essa música falando nisso. Eu achava que eu devia acabar, mas não sabia o que dizer pra acabar. E ela odeia até hoje essa música. A gente separou, voltou um mês depois e foi a pessoa pra quem eu escrevi “Melhor Pra Mim”. Mas é isso, tem horas que fica ruim. Eu nunca mais consegui cantar essa música, mas eu gosto. Ali tem umas coisas, né, o cara para na casa da pessoa, fica buscando nos bolsos o que ele vai dizer. E essa foi a gravação mais marcante da minha vida, porque é Dominguinhos ali na sanfona. Eu fui mostrar pra ele como era a música. Ele sentou na minha frente, pegou a sanfona, eu peguei o violão e eu comecei a tocar pra ele, mostrando. E eu comecei a tocar junto, aí, na segunda vez, que eu tava mostrando – “ah, de repente aqui podia ser assim…vamos passar uma?” – os técnicos chegaram e começaram a colocar microfones ao nosso redor. “Não vocês vão gravar assim. Isso tá lindo, a gente tá ouvindo de lá”. E a cada vez que ele tocava, ia pra uma coisa diferente. Tinha um pouco de chanson française, às ia pro blues, às vezes era uma coisa mais nordestina. Nunca ia ficar igual. Não era pra fazer e ficar perfeito, era sempre maravilhoso. Aí a gente gravou dois takes, ouviu, escolheu um, ali mesmo ele colocou uns backings e ele foi embora. Eu me senti músico, porque, inclusive, eu cantei a música. Ela é cantada ao vivo, com violão, voz e sanfona, na mesma sala, gravadas. Depois eu gravei baixo na música, pedi pra colocar zabumba, triângulo, mas tudo posterior, sem clique, sem nada. É uma gravação que eu adoro.
– Célula: Não tem mais a ver com “Educação Sentimental”, mas você me fez lembrar de uma música, que é “Criado Mudo”, que é uma canção do “Você Sabe O Que Eu Quero Dizer”, eu acho uma das suas letras ainda mais lindas. Como é que surgiu? Vou aproveitar a ocasião!
– Leoni: Essa canção eu fiz pro meu avô depois que minha avó faleceu. Ele já tinha quase noventa anos. Minha avó teve AVC, ele ficou cuidando dela, ela acabou vegetando durante alguns anos, não muitos. E aí ela se foi. E eles tinham vivido a vida toda juntos. Ficou um buraco. E ele morava em Copacabana (bairro da Zona Sul do Rio), por isso eu falo de Copacabana. Ele foi militar, tinha muita disciplina, andava todo dia. Ele durou ainda algum tempo. Eu achei que ele ia se abandonar, mas ele sempre fez isso. Antes de tomar banho ele fazia flexão de braço, abdominal, andava oito quilômetros por dia. Eu achei que ele fosse se abandonar porque ele já não tinha mais sentido na vida. Viveu a vida toda ao lado dela, quando ela teve o AVC, ele viveu pra cuidar dela, quando ela se foi, tudo perdeu o sentido. Àquela altura ele não tinha mais trabalho. Os filhos foram cada um pra um lado. E eu passei a conviver muito com ele, porque eu já tinha filho, ele ia lá visitar os netos e tudo mais. Eu fiquei pensando nisso, como era a vida dele em Copacabana. E aí eu falei que fiz a música pra ele, ele passou a ir em todos os shows no Rio de Janeiro e levar os amigos. Eu falava: “essa música eu fiz pro meu avô”. Ele levantava, agradecia, foi bacana. Eu lembro dele ficar orgulhoso. E ele comprava os ingressos. Lembro dele comprar ingresso pra um monte de gente e levar no show.
– Pergunta: Cara, que história boa, maravilhoso isso. Queria te agradecer demais por essa conversa, é sempre um prazer falar com uma pessoa como você, que tem toda uma postura e é um artista importantíssimo. Queria te agradecer e dar os parabéns pelos quarenta anos do “Educação Sentimental”, que é um discaço e você tem muita participação nisso.
– Resposta: Não, eu adoro. E fico muito orgulhoso de ter esse disco na minha obra. Acho muito…quando a gente acabou de gravar, eu falei “agora a gente tem uma banda de respeito”. A gente já era, tinha músicas legais pra caramba. Mas percebi ali uma maturidade que não tinha antes. Eu acho que tinha uma unidade sonora, exatamente por a gente ter feito tudo em banda, ensaiado, o primeiro disco tinha muita coisa de bateria eletrônica, de músicos de fora…Algumas com bateria eletrônica, outras duas acho que foi o Serginho (Herval) do Roupa Nova, que tocou, ou o Marcelo (Crelier), que vinha dos Inimigos do Rei. E pra mim era muito importante como baixista, de ter uma cara. Eu sei que fiz uma dupla muito legal ali com o Claudinho. Quando acabou o disco, eu falei “caramba”. E tem uma sonoridade…Algumas músicas até não tocaram muito, por exemplo, “Amor Por Retribuição”, que tem uma introdução….”cara, é uma banda de rock, sei lá, um Dire Straits, não é uma coisa pós-punk, era uma coisa muito legal”. Eu gosto muito mesmo.

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.