Elton John e Brandi Carlile rodopiam no salão

 

 

 

 

 

Elton John e Brandi Carlile – Who Believes In Angels?
44′, 10 faixas
(Mercury)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

Ninguém discute que Elton John é um dos gigantes vivos do rock. Sua sobrevivência artística se deve tanto à qualidade da maioria de sua obra como ao fato dele ser um entusiasta da novidade na música. Uma olhada mais atenta a seus álbuns mostrará que temos discos de remixes, colaborações, tributos, ao vivo, duplos, simples, ou seja, Elton é um cara que sabe usar as possibilidades que a era digital da música pop pode oferecer. E só alguém com domínio nesta diversidade seria capaz de dividir um álbum duplo com uma artista de outra geração e outro setor, como é o caso da cantora e compositora Brandi Carlile. A colaboração dos dois não é nova – Elton participou de um álbum de Brandi quando ela era pouco mais que uma iniciante. Depois, ela prestou tributo a ele e os dois voltaram a colaborar durante a pandemia, justo quando a ideia de um disco juntos surgiu. Na verdade, a canção “Never Too Late”, presente no documentário de mesmo nome sobre o superstar inglês, de 2024, já anunciava esta parceria. Elton, você deve saber, não vive tempos tranquilos – ele perdeu a visão de um olho ano passado e enxerga malemal do outro, o que influenciou de diversas formas na gravação deste “Who Believes In Angels?”. Mesmo com todas as dificuldades surgidas, o que sai das caixinhas de som é um trabalho que resgata muito do classicismo pop de Elton, mesmo que haja espaço de sobra para Carlile se espalhar e imprimir sua marca. Hoje ela é uma das estrelas de uma música country que busca revisar os parâmetros clássicos do estilo e tem muito talento. Juntos, eles dão caldo.

 

Elton convocou o produtor Andrew Watt para a chefia do estúdio e ele, animadíssimo, praticamente emendou este trabalho com o anterior – o álbum mais recente dos Rolling Stones, “Hackney Diamonds”. Foram convocados então o baterista do Red Hot Chili Peppers, Chad Smith, o ex-guitarrista da banda californiana, Josh Klinghoffer, e o excelente baixista Pino Palladino. Além deles, o parceiro tradicional de Elton, Bernie Taupin, também veio a bordo com a missão de colaborar com Carlile na feitura das letras. A toda essa galera, soma-se o estilo inconfundível do piano de Elton, uma das marcas mais indeléveis do rock planetário. O resultado faz de “Who Believes In Angels?”, tanto um trabalho que tem a missão de incluir os dois participantes maiores em doses iguais, quanto um álbum que visa resgatar a megalomania dos álbuns setentistas de Elton, representado por títulos como “Tumbleweed Conection”, “Madman Across The Water”, “Captain Fantastic and The Brown Dirt Cowboy” e “Goodbye Yellow Brick Road”, ou seja, o melhor de sua trajetória.

 

Essa meta é difícil, mesmo para o próprio Elton em dias atuais. Mas, se lembrarmos de alguns trabalhos recentes, como “The Captain And The Kid” (2006), “The Diving Board” (2013) ou The Union (2010), este, em parceria com Leon Russell, veremos que Elton tem esse traço de autorreferência, o que, ao contrário do que pode parecer, não é egocêntrico, mas parte de um desejo natural de investigar essa mitologia do rock setentista, que ele mesmo ajudou a criar e lapidar. Carlile, por sua vez, está longe de ser uma artista acomodada e vem gravando álbuns interessantes e que incorporam muito desses traços grandiosos do pop rock dos anos 1970 e soa muito à vontade ao longo das dez faixas distribuídas neste design clássico de álbum duplo. O que soa mais interessante nelas é a sensação de que os músicos envolvidos – bem como o produtor e as estrelas principais – absorveram a noção de banda e tudo parece muito mais encaixado do que numa colaboração mais protocolar. As levadas, os arranjos e as próprias composições foram creditadas a Elton, Carlile, Watt e Taupin, dando ao disco uma cara destacada em relação aos trabalhos mais recentes de Sir Reginald.

 

O nível das composições e das gravações é alto. E temos algumas canções realmente boas por aqui. Em “Swing For The Fences” temos um rockão aerodinâmico que emula muito de clássicos como “Saturday Night’s Alright For Fighting”, com a diferença de que Carlile leva os vocais principais. O mesmo clima está em “The River Man”, que começa como um folk com capim nos dentes e evolui para uma pancadaria quase hard rock. E, por falar em pancadaria, temos a maravilhosa “Little Richard’s Bible”, que mostra um Elton John soando como se tivesse metade de sua idade, em seu elemento natural, um rockão pianístico cheio de citações mitológicas do rock como costumava ser. Em “The Rose Of Laura Nyro”, os dois rendem uma baita homenagem à cantora e compositora americana, enquanto em “Someone To Belong To”, baixam o nível de octanagem em favor de uma belezura em midtempo, que fala sobre o amor verdadeiro e o quanto ele pode fazer diferença. Falando nisso, a regravação de “Never Too Late” mostra um pouco mais de profundidade no que já era belo e o fecho, que traz a marca registrada dos épicos de Bernie Taupin, “When This Old World Is Done With Me”, mostra Elton lidando com purpurinas bem menos espalhafatosas.

 

Este é um álbum raro, seja pela cumplicidade total entre dois artistas enormes, seja pelo nível das canções. Elton e Brandi se permitem rodopiar num salão já quase vazio, em que uma grande banda toca seus últimos acordes após um grande baile. Lindeza.

 

Ouça primeiro: “The River Man”, “Someone To Belong To”, “The Rose Of Laura Nyro”, “Little Richard’s Bible”, “Never Too Late”, “When This Old World Is Done With Me”, “Swing For The Fences”.

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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