Arcade Fire busca novo velho som em “Pink Elephant”

 

 

 

 

Arcade Fire – Pink Elephant
42′, 10 faixas
(Columbia)

3.5 out of 5 stars (3,5 / 5)

 

 

 

 

Antes de qualquer coisa, um dado: o Arcade Fire já tem vinte e um anos de carreira. Nunca é demais pontuar como o tempo passa cada vez mais rápido. Neste período, o grupo canadense lançou trabalhos majoritariamente inspirados e relevantes, chegando a seu ápice no terceiro disco, “The Suburbs”, em 2010. A mistura de indie rock, esquisitice criativa, diversidade inspiracional, talento de Win Butler e Regina Chassagne, além de um amor declarado pelo rock criativo dos anos 1970, Talking Heads e Bowie à frente, deu ao Arcade Fire a capacidade de forjar um som próprio, algo que é cada vez mais raro. Foi a partir de “The Suburbs” que o grupo sentiu-se mais confiante para ousar esteticamente e lançou outros ótimos discos na sequência – “Reflektor” (2013) e o excelente “Everything Now” (2017), no qual fez suas primeiras incursões no terreno da música eletrônica mais dançante, sem muita preocupação em soar genial o tempo todo. Este traço, de precisar ostentar alguma genialidade casual, levou a banda a um terreno pantanoso e traiçoeiro. Quando lançou “WE”, em 2022, seu último trabalho, o Arcade empacou numa armadilha em que conceitos e intenções se sobrepujavam às canções. Era questão de tempo. Agora, três anos depois, “Pink Elephant” propõe um retorno à espontaneidade, sem abrir mão desta necessidade de soar genial, conceitual e tudo mais. O resultado fica no meio do caminho.

 

“Pink Elephant” tem alguns elementos bastante interessantes. O primeiro, sem dúvida, é a presença de Daniel Lanois na co-produção, ao lado de Butler e Chassagne. Ainda lembramos bem da presença de Lanois em álbuns de vários artistas importantes da música, do U2 a Neil Young, passando por Willie Nelson e Brian Eno, este último, o grande mestre do canadense. A marca registrada dele é a proposição de uma sonoridade esparsa e climática, como se as gravações soassem em meio a uma calculada tempestade de areia. Ouvindo as faixas de “Pink Elephant”, esta impressão transparece de imediato, na faixa de abertura, “Open Your Heart Or Die Trying”, uma peça instrumental esparsa, que serve como uma introdução ao que o álbum pretende apresentar. A impressão, no entanto, se dilui na canção seguinte, a faixa-título, que ostenta orgulhosa a marca mais forte que este trabalho tem: o retorno ao indie rock dos anos 00, mas supostamente sem a ingenuidade de antanho. O riff eliptico que conduz “Pink Elephant”, a canção, é eficiente e dá um clima de desesperança que contrasta com a letra, que afirma a necessidade de sermos fiéis ao que acreditamos como única forma de permanecer íntegro.

 

“Year Of The Snake”, o primeiro single que veio a público, é uma boa ideia que poderia ter execução melhor. A batida marcial que marca um instrumental que parece crescer à medida que os vocais sussurrados de Chassagne e Butler vão ganhando corpo, se mostra meio confusa mesmo quando explode pouco depois da metade. Melhor ficar com a maravilhosa “Circle Of Trust”, uma porrada eletroacústica dançante, na qual certamente a experiência de Lanois com faixas como “Lemon”, do U2 de trinta anos atrás, contou bastante. Novamente os vocais sussurrados estão à frente, mas o que importa aqui é a batida e a linha de baixo/guitarra, que vai nos trilhos e cresce sutilmente até ganhar todo o espectro sonoro. Essa mesma eletrônica, no entanto, não funciona bem em “Alien Nation”, que evolui de vocais esparsos, efeitinhos percussivos e corinhos malandros para um batidão meio torto que torna tudo meio confuso. “Beyond Salvation” são outras duas faixas instrumentais, que irão completar o tema apresentado logo na abertura. As três gravações têm, juntas, quase seis minutos de duração.

 

Duas outras canções se destacam: “Ride Or Die”, que tem um dedilhado belo de violão e uma melodia que parece meio oriental, fruto do delicado arranjo, que vai entrecruzando vozes e efeitos, com um belo resultado. “I Love Her Shadow” é outra lindeza que começa eletrônica e esparsa, logo é engolfada por uma batida eletrônica que dá o tom dançante. O grande destaque, no entanto, é a melodia, que é bonita, além do próprio arranjo, que também lembra o U2 fase “Zooropa”. Fechando o álbum, “Stuck In My Head” é outro aceno ao indie rock mais barulhento dos anos 00, com refrão barulhento e melodia circular, que poderia ser mais trabalhada, mas que deve crescer exponencialmente ao vivo, especialmente pela notória entrega da banda em shows.

 

Este é o primeiro álbum que o Arcade Fire lança após Win Butler ser acusado de má conduta sexual por várias mulheres. Regine Chassagne esteve ao lado do marido o tempo todo, apoiando-o e tal fato não parece interferir em “Pink Elephant”. Sua sonoridade é diferente do que o Arcade Fire vinha fazendo, pelo menos, nos últimos quinze anos, mas está longe de ser um álbum fraco. Ele tem alguns mistérios e segredos que clamam pelo ouvinte.

 

 

Ouça primeiro: “I Love Her Shadow”, “Ride Or Die”, “Circle Of Trust”, “Pink Elephant”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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